Criatura de verdades inesperadas, Anatol Kraft chegou ao delírio de imaginar que a vida fosse dividida em parágrafos, palavras, letras. O mundo não passaria enfim de um trepidante romance: quanto mais delirante, mais verdadeiro mundo, com personagens reais porque absurdos, exagerados, impossíveis. Tão impossíveis e absurdos quanto Anatol Kraft e sua extravagância avessa a estereótipos e caricaturas. Sim, mundo vasto mundo, ainda o mesmo na conhecida perspectiva de suas inquietações e intrigas amorosas, antecipadas já por gregos e latinos, desde Platão ou Petrônio até os brasileiríssimos Manuel Antônio de Almeida, Jorge Amado ou Fausto Wolff, com os quais Roberto Gomes tem vários pontos em comum. Porque Anatol Kraft, sem nenhuma cerimônia, chegou para integrar a família mítica dos Leonardo Pataca, Quincas Berro d’Água ou Pérsio de À mão esquerda. Pícaros ou trágicos, criaturas superlativas que diariamente refazem o desenho da vida, não por acaso, até em páginas de romance. Assim, por meio de um humor indiscretamente dialético, de espantosa fluidez nos diálogos e assomos líricos de grande poeta da prosa, Roberto Gomes não isola nem determina o que devem ou não fazer seus extraordinários personagens. No cerne da poesia, distribui e potencializa paisagens e ações, e coloca em cena outras três criaturas fascinantes — Tereza, Marina, Henrique – que também prolongam e desafiam os estatutos da vida comum. Um enredo moldado à maneira de novela ou conto russo do final do século XIX, em que o domínio pleno da arte narrativa e personagens com força vital não são de fato os únicos atrativos. André Seffrin
Roberto Gomes – O Conhecimento de Anatol Kraft – Criar Edições|Insight Editora. 1ª Edição|Capa e editoração: Nexo Design|Revisão: Iria Zanoni Gomes|2011