Pilar acaba de sair da pensão sórdida, atravessa a rua em direção à Tabacaria, e, agora sei: ela é, nas horas vagas, prostituta. Unicamente por não poder, com minha costumeira honestidade, contar ao Esteves o que vi, preferi fingir que fumava um Continental e perguntei a ele como era estar casado. O Esteves me respondeu que Pilar é uma espanhola que conhecera em Málaga, numa Semana Santa. O ex-marido dela, pacato consumidor de queijo, sofria de um terrível mal: nasciam-lhe lesmas na língua; lesmas não confiáveis. Ora uma das lesmas caiu no chá de Pilar e isso foi o suficiente para que as núpcias fossem desfeitas. Ela amara o ex-marido na cama de linho, atrás da igreja dos Lavados, o amara à beira do rio, no banheiro da estação de trem, e só por causa das lesmas decidiu vir para cá, à Vila da Pedra, e nos conhecemos ali no ancoradouro onde agora, em estado de óbvia distração, eu contemplo as nuvens.
Compreendo o romance e o motivo, só não entendo porque Pilar trái o Esteves nessa pensão barata. Depois de jogar o cigarro no cinzeiro, aquela imagem dela entrando naquele lugar imundo ainda apertava a minha cabeça. Vociferei:
– Mas por quê? Por quê?
– Talvez por tédio –, arrisco um palpite.
Recordemos: durante anos Pilar amou enlevadamente aquele homem com lesmas na língua e, há vinte dias, casou com o Esteves. Amou aquele homem porque seus grossos bigodes eram negros, e ama hoje o proprietário da Tabacaria porque ele é ocioso, amável e não possui lesmas na língua.