Sentença 1: “O PT propõe revogar a reforma trabalhista conduzida pelo governo Temer”. Sentença 2: “A classe trabalhadora exige a derrubada da reforma trabalhista imposta pela burguesia”. A primeira menciona sujeitos específicos (PT, governo Temer). A segunda, que prefere indicar coletividades genéricas (classe trabalhadora, burguesia), pertence ao léxico da violência.
Quem é o “sujeito da História”? Segundo os marxistas, “a história de todas as sociedades até hoje existentes é a história da luta de classes”. Inflada até o limite, a ideia produziu extermínios de classes sociais inteiras: o Holodomor, na Ucrânia, pelo regime soviético; a implantação das comunas populares, pelo regime maoísta; a ruralização da população urbana pelo regime de Pol Pot no Camboja.
“Jihad: guerra aos infieis!”. Segundo os fundamentalistas, que existem em todas as religiões, o sujeito da História é a comunidade de fiéis. De Maomé às Cruzadas, e delas às guerras de religião na França, a fé produziu rios de sangue que atravessam os tempos. A pulsão do massacre chega aos nossos dias, nas formas do jihadismo, dos atos de terror de cristãos fanáticos, das limpezas étnicas contra muçulmanos.
O “fardo do homem branco”. Segundo Kipling, porta-voz do pensamento imperialista, o sujeito da História é a raça. O racismo branco serviu para justificar a divisão colonial da África, as leis de discriminação nos EUA, o apartheid na África do Sul. (Mas não a escravidão moderna, que prescindiu do conceito de raça). Numa interpretação singular, que identificou raça e nação, funcionou como alicerce para o nazismo.
Racismo não exige diferença de cor. “Baratas” –assim a ditadura hutu qualificou os tutsis, preparando um genocídio inteiramente baseado em teorias raciais. Na hecatombe de exterminismo em Ruanda, algozes e vítimas eram negros.
“A história do mundo não é a história de indivíduos, mas de grupos, não a de nações, mas a de raças – e aquele que ignora ou tenta borrar a ideia de raça na história humana ignora e borra o conceito central de toda a história”. W.E.B. Du Bois, pai-fundador do movimento negro nos EUA, concordava parcialmente com Kipling. Ele não acreditava na noção de hierarquias raciais, mas estava de acordo sobre a questão do “sujeito da História”.
Du Bois desenrolou um fio ideológico que se estende até os racialistas atuais. Dele, nasceu uma caricatura grotesca do Brasil. A sociedade divide-se em duas raças estanques: brancos e negros. Os brancos descendem de proprietários de escravos (sumiram a massa de brancos pobres e os imigrantes). Os negros descendem de escravos (sumiram os negros traficantes ou proprietários de cativos do Império). Os indivíduos do presente representam, pela cor da pele, escravizadores ou escravizados.
A Igreja distribui culpas – e as cobra, via confissão e dízimo. Os racialistas imitam seu método, cobrando da população branca “reparações de guerra” pelos crimes de antepassados imaginários. Mais: por meio da expressão “racismo estrutural”, acusam os brancos em geral de exercitarem o racismo. Divide-se a nação entre criminosos e vítimas – e sugere-se que a redenção depende de uma vingança. Os inventores dos sujeitos coletivos da História nomeiam inimigos igualmente abrangentes e difusos, compondo um léxico da violência.
Mas, paradoxalmente, o racialismo opera como anestésico, atrasando as mais vitais reformas sociais. Quando a polícia exercita o arbítrio na periferia, ignora-se o racismo institucional em nome do “racismo estrutural”: a culpa é dos brancos, não do aparato político que sustenta um policiamento racista. Quando exames internacionais constatam o fracasso perene da educação pública, circunda-se a chaga do apartheid educacional por meio da “solução” das cotas raciais. O léxico da violência é, também, a linguagem do entorpecimento.