Liberdade de expressão ou excesso?

Com quase 40 anos de profissão,
Solda diz que nunca quis ofender Barack Obama
Foto de Daniel Castellano
Demissão de profissional que fez charge sobre Obama
 reacende discussão sobre a tênua linha que separa
a polêmica do mau gosto.
Polêmica envolvendo o chargista Solda, demitido do jornal O Esta­­do do Paraná por causa de uma charge sobre a visita do presidente dos EUA, Barack Obama, ao Brasil, reacendeu a discussão sobre os li­­mites do exercício da liberdade de expressão – especialmente em re­­lação aos profissionais do humor.
A demissão ocorreu após o jornalista Paulo Henrique Amorim publicar a charge em seu blog, o Conversa Afiada, dando a entender que Solda havia sido racista. O desenho mostra um macaco fa­­zendo o gesto de “banana” e a le­­genda “Visita de Obama terá baião de dois, picanha, sorvete de graviola e banana, muita banana!”. Para os críticos, o macaco representa o presidente norte-americano.
Opinião
Cartunistas saem em defesa de Sol­da:
“A reação é típica de pessoas que chamo de analfabetas visuais. Vivemos em uma era visual, mas as pessoas não sabem ler o que veem. Não souberam ler a charge, e ver que Solda defendeu o povo brasileiro. Será que é preciso colocar legenda em tudo? Foi uma tremenda bur­rice. Eu recomendo a ele processar quem estiver fazendo a acusação de racismo. A atitude do jornal tam­bém foi covarde, pois não agiram como equipe e não defenderam Solda.”
Pryscila Vieira, cartunista da Folha de São Paulo.
“Eu me ofendi pelo Solda. Como as pessoas podem subestimar um artista que publica seus trabalhos há 30 anos, achando que ele iria deliberadamente publicar uma agressão racista num veículo de comunicação de grande reper­cus­são, como se ele fosse um inconsequente ou um sujeito sem leitura e ignorante? Acho que o Paulo Henrique Amorim deve desculpas ao Solda. O Solda vai se desculpar como? ‘Desculpe por fazer um desenho que entenderam errado?…’”
Benett, chargista da Gazeta do Povo.
“Fiquei surpreso com essa polêmica. Conheço o Solda há 15 anos e posso dizer que ele não é um racista. Uma vez, estávamos em Teresina para um salão de humor e ele presenciou um episódio racista que o deixou furioso. Acho que quem criticou não entende nada de história, não tem conhecimento do que ele quis dizer com aquele macaco e a história de república de bananas. E foi errado o que fizeram com ele. Jogaram o Solda para os lobos e se calaram.”
Paixão, cartunista da Gazeta do Povo.
Publicação em blog nacional repercutiu negativamente: interpretação de racismo
As opiniões se dividem. Para o jornalista e professor de Ética Car­­los Alberto di Franco o episódio revela “um abuso” da liberdade de expressão consagrada pela Cons­­tituição. “É preciso saber conjugar tal liberdade com o respeito às pessoas. Ela tem um limite. Não posso fazer qualquer coisa em nome de­­la”. Ele avalia que a atitude de Sol­­da e do jornal revelam no mí­­nimo uma imprudência. “Se não foi proposital, faltou bom senso para prever que essa leitura ocorreria”, diz, reprovando a atitude do jornal de não se pronunciar. “O jornal publicou, portanto, tem responsabilidade. E um pedido de desculpas é o mínimo que se espera”.
Na avaliação do presidente da comissão de Liberdade de Expres­­são da seção paranaense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR), o advogado Rodrigo Xavier Leo­­nardo, “uma interpretação tão grosseira da liberdade de ex­­pressão é algo assustador”. “Essa discriminação, mesmo que velada, não pode ser subestimada, levando-se em conta um país que tem a marca terrível da escravatura e ainda luta para assegurar a proteção contra o racismo”.
Subjetividade
Já para a advogada e jornalista Bianca Zanardi, também membro da comissão da OAB-PR, não houve atentado contra a honra do presidente ou da população negra. Ela afirma que é impossível provar que houve racismo por parte de Solda, uma vez que a interpretação é subjetiva. “Isso depende de cada um, que pode ou não encontrar elementos discriminatórios na charge”, diz.
“Alguém pode afirmar que houve a intenção de ser racista, mas isso não está explícito, portanto, não cabe ao autor provar que não foi racista, mas a quem o acusa, de provar que ele teve a intenção”. Segundo Bianca, acusar o jornalista sem propriedade também pode ser crime. “Chamá-lo de racista pode configurar injúria, e acusá-lo de racismo pode ser tipificado como calúnia, quando acusamos alguém de um crime sem ter provas”, explica.
O presidente do Sindicato dos Jornalistas do Paraná, Márcio Ro­­drigues, lamentou a demissão e considera o episódio um ataque à liberdade de expressão. “Fiquei estarrecido com o fato de um grupo de comunicação não dar valor à liberdade de expressão”, criticou. Para Rodrigues, tanto o jornal quanto o público não entenderam a mensagem de Solda. “Fico triste, e não sei qual é a solução para isso, pois, hoje, nem desenhando as pessoas entendem”.
Mal entendido

“O macaco é o povo brasileiro”, explica Solda
Chargista desde 1973 e reconhecido nacionalmente por seu trabalho, Solda se diz surpreso e chateado com as acusações de racismo. “Sou um sujeito pacato e sem preconceitos. Fui surpreendido quando me chamaram para rescindir o contrato. Isso nunca aconteceu comigo”. O jornalista conta que sempre submeteu todas as suas charges à direção dos jornais onde trabalhou, inclusive neste caso. “O fato é que não havia por que acharem algo, pois eu não ofendo o Obama. O macaco é o povo brasileiro”.
Com passagens por veículos considerados subversivos à época da ditadura militar (1964-1985), como o Pasquim, Solda diz que nunca imaginou viver tal episódio numa época democrática. “Na ditadura, eu desenhava e ficava com medo. Mas o medo era de ser preso. Hoje, tenho medo de pessoas como esse jornalista que me acusou [Paulo Henrique Amorim]”. O chargista afirma que ainda não teve tempo de pensar no que fazer, mas estuda entrar com um processo contra o jornalista e o jornal.
O Estado do Paraná foi procurado para se manifestar, mas, de acordo com o secretário de redação Armindo Berri, a orientação da direção do jornal é não comentar o assunto.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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