Ligeiramente grávidas

Em biologia, é frequente a associação entre ambientes estressantes e o início precoce da atividade sexual

O Mapa da Desigualdade, da Rede Nossa São Paulo, mostrou que a proporção de adolescentes grávidas em Marsilac, bairro pobre no extremo sul da cidade, é 53 vezes maior do que em Moema, região rica da mesma zona sul.

Quando pensamos em gravidez precoce, o que nos vem imediatamente à mente é que precisamos investir em programas de prevenção, que conscientizem as jovens das dificuldades que enfrentarão se tiverem filhos muito cedo e lhes ofereçam métodos anticoncepcionais seguros. A ideia subjacente é que essas adolescentes, por uma série de determinantes, não se comportam de maneira “normal”, uma falha que deve ser compensada pela ação estatal.

Em “This View of Life”, livro que já comentei aqui, o biólogo David Sloan Wilson propõe uma abordagem diferente, evolutiva, para o problema da gravidez precoce. Ele acha que não devemos enquadrá-la como um desvio, mas como uma resposta adaptativa –isto é, que faz todo o sentido do ponto de vista darwiniano– das jovens às condições em que foram criadas.

Em biologia, é frequente a associação entre ambientes mais estressantes e o início precoce da atividade sexual. É como se o corpo estivesse programado para fazer tudo mais rápido quando é maior a chance de morrer antes da hora.

Em pássaros, o gatilho para a precocidade são os níveis de hormônios corticosteroides que a mãe deposita nos ovos. Em ratos, o que desencadeia as mudanças são lambidas. Quanto mais estressada está a genitora, menos ela lambe os filhotes, e estes se tornam sexualmente mais precoces e prolíficos, além de mais agressivos.

Não sabemos se há um gatilho tão específico em humanos, mas não seria surpreendente encontrar um. O ponto de Wilson é que, ao enquadrar a gravidez na adolescência como uma espécie de desorientação a ser corrigida, podemos estar deixando de ver o fenômeno em sua inteireza e, assim, perdendo de vista respostas mais eficazes.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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