Print Out

Desconfio que o que vai salvar o livro não será o que o tornará supérfluo, mas o que nele perdurará. Não terá nada a ver com conteúdo ou conveniência. Até que lancem computadores com cheiro de papel e tinta nas suas duas categorias inimitáveis, livro novo e livro velho, nenhuma coleção de gravações ornamentará uma sala com o calor e a dignidade de uma estante de livros. A tudo que falta ao admirável mundo da informática, da cibernética, do virtual e do instantâneo acrescente-se isso: falta lombada. No fim, o livro deverá sua sobrevida à decoração de interiores.

A urna eletrônica é um exemplo da invasão inevitável da cultura científica em todos os nossos costumes. Imagino que ela é apenas o começo de uma informatização progressiva do processo eleitoral que culminará, um dia, com a eliminação do próprio candidato. Em vez de digitar na urna os números que identificam o candidato com as características e as qualidades que você quer, você digitará os números que identificam as características e as qualidades que você quer – e o computador fabricará um candidato com as especificações mais procuradas. Em vez de um presidente, por exemplo, teremos uma espécie de print out consensual.

Como o amor e as compras, um dia a democracia também será feita só através da internet. Você não precisará sair de casa para votar – e poderá votar em qualquer eleição do mundo! Se a globalização já tivesse chegado a esse ponto, você poderia ter votado nas recentes eleições no Brasil, por exemplo, escolhendo entre generais e civis. Só não votará quem não estiver ligado na internet, mas a essa altura quem não estiver ligado na internet não fará mais nada, e não será mais ninguém. E um dia o circuito se fechará. Digitaremos no nosso computador para eleger computadores. Computadores programados farão o trabalho do legislativo e do executivo. Eliminaremos o fator humano, a técnica nos dominará e seremos felizes. Ou infelizes, dará no mesmo, porque não haverá ninguém para culpar, e os computadores farão pouco dos nossos protestos. Até o presidente será um computador central. E, no Brasil, a única coisa certa é que o vice será do PMDB.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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