Lula, que é católico, acostumou os brasileiros a se comparar com a figura de Jesus. Quando era presidente da República, tinha na parede, atrás de sua mesa de trabalho, um enorme crucifixo de madeira que desapareceu quando Dilma chegou. Em 2010, o ex- presidente carismático afirmou que tinha sido mais flagelado do que Jesus antes de ser crucificado: “Se eu pudesse dar uma imagem das punhaladas que levei e pudesse tirar a camisa, meu corpo apareceria mais destroçado do que o de Jesus Cristo”. No Brasil, “só Jesus ganha de mim em honradez”, disse em outra ocasião. E perante o juiz Moro explicou que aqueles que o delatam e acusam “deveriam ler melhor a Bíblia, onde se condena nomear o nome de Deus em vão”.
Nunca, no entanto, Lula tinha se atrevido a tanto como fez dias atrás em Belo Horizonte, quando disse aos seus seguidores, aludindo sem dúvida aos juízes: “Estão lutando com um ser humano diferente. Eu não sou eu. Sou a encarnação de um pedaço de células de cada um de vocês”. E acrescentou, no melhor estilo evangélico: “Prendam minha carne, mas minhas ideias continuarão livres”.
Ao elevar o tom de suas identificações religiosas, Lula, que é o melhor publicitário de si mesmo, chegou a flertar com o dogma cristão da encarnação. De acordo com os Evangelhos, Deus “se encarnou em Jesus Cristo”. Desse modo, todos os que creem nele e o seguem se tornam deuses como ele.
A mensagem simbólica de reencarnação enviada por Lula aos juízes e magistrados é clara: é inútil tentar condená-lo ou impedi-lo de disputar as eleições para que, como ele propõe, “o Brasil volte a ser o que era” e não o esfarrapado no qual o transformaram aqueles que tentam encurralá-lo. É inútil, porque, segundo Lula, quem estão perseguindo não é ele, que não é uma pessoa normal, mas “um ser humano diferente”, que não tem por que se submeter às leis dos seres comuns. Por isso, diz que não se sente obrigado a acatar nenhuma sentença de condenação contra ele. Se Lula não é Lula, mas a encarnação dos milhões que o seguem, se ele não é feito como todos nós de nossas próprias células, mas das células de cada um dos pobres, dos sem-terra e dos sem-teto, é inútil acusá-lo de algo porque “ele não é ele”. São os pobres que se transubstanciaram em Lula. Persegui-lo, condená-lo, é condenar milhões de pessoas que confiam nele.
Segundo essa imagem bíblica da encarnação, de nada serviu, por exemplo, que Jesus Cristo tenha sido crucificado, porque ele não era mais um profeta, era a encarnação de tudo quilo que as elites desprezavam. Podiam arrancar-lhe a vida, mas não matar sua mensagem. Curiosamente, é o que afirmou Lula em Minas: “Prendam minha carne, mas minhas ideias continuarão livres”.
Não deve ser fácil para os juízes e magistrados a sutil e simbólica linguagem teológica de Lula, aos quais manda dizer, evocando os livros sagrados do cristianismo: “Se me encarcerais, se me fechais as urnas, não o estais fazendo ao Lula político, que já não existe, porque se encarnou nos pobres com quem compartilhou suas células”. Encarcerá-lo, condená-lo ao ostracismo, seria como condenar esses milhões de brasileiros, em sua grande maioria pobres e analfabetos que o seguem e querem votar nele, e nos que ele se encarnou e até mesmo se transubstanciou.
Lula deveria dispensar todos os seus advogados. Ninguém sabe defendê-lo melhor do que ele. E faz isso usando parábolas e símbolos sagrados que tocam a sensibilidade de um povo profundamente religioso como o brasileiro. E isso sem necessidade de recorrer aos livros da jurisprudência humana. Para Lula, para se defender, basta-lhe a Bíblia. Bastará também aos juízes e magistrados?
Juan Arias, El País