Lula oscila entre ‘fortão’ que manda prender e ‘fraquinho’ massacrado

Elio Gaspari – Folha de São Paulo

Só Lula e Sérgio Moro sabem o que acontecerá durante a audiência de Curitiba. Se o depoimento anterior do ex-presidente a um juiz federal de Brasília puder ser tomado como referência, “Nosso Guia” transformará a cena num comício.

Numa audiência em que se tratava da tentativa de obstrução da Justiça para impedir a colaboração de Nestor Cerveró, Lula informou que liderou “as greves mais importantes deste país”, fundou o “mais importante partido de esquerda da América Latina” e “fez a maior política de inclusão social da história deste país”. Enfim, foi “o mais importante presidente da história deste país”.

É improvável que lhe seja franqueado esse passeio, pois em depoimentos anteriores o juiz Moro cortou divagações semelhantes. Ele já chegou a bater boca com a defesa de Lula.

Na semana passada, dizendo-se “massacrado” pelas investigações da Lava Jato e pelo noticiário da imprensa, Lula subiu o tom de sua retórica, levando-a a um patamar inédito. Num evento do PT disse que, “se eles não me prenderem, quem sabe um dia eu mando prender eles por mentir”.

Lula passou oito anos na cadeira de presidente da República e sabe que, mesmo voltando ao Planalto, jamais poderá mandar prender alguém. (A menos que sente praça no Exército venezuelano ou resolva fazer concurso para delegado, talvez para juiz.)

O surto de onipotência prosseguiu quando ele disse que “não vou permitir que continuem mentindo como estão mentindo a meu respeito”. O melhor lugar para dirimir litígios desse tipo é a Justiça, mas num caso de apropriação indébita de foro, Lula julga-se investido do privilégio de negar ao Judiciário as prerrogativas que a Constituição lhe dá.

Para quem já se definiu como uma “metamorfose ambulante”, o Lula que responde à Lava Jato dizendo que vai mandar prender seus acusadores parece estar descalibrado. Ele sempre foi um mestre na manipulação do radicalismo alheio em beneficio próprio. Desde os anos 70, quando comandava greves politicamente luminosas e salarialmente ruinosas. Mais tarde, foi da defesa da moratória da dívida externa à “Carta ao Povo Brasileiro” como se sapeasse vitrines de um shopping.

As metamorfoses fazem parte da vida dos políticos e às vezes são virtuosas, mas as transmutações de Lula têm outra característica, exclusiva. Ela foi explicada em 2006 pelo marqueteiro João Santana, depois que ajudou a reelegê-lo. Trata-se de oscilar entre o “fortão” (que manda prender) e o “fraquinho” (que está sendo massacrado).

O Lula atormentado pela Lava Jato é novo. É verdade que nunca foi tão áspero, mas, no fundo, é o velho Lula. Desde que começaram as denúncias do Ministério Público o “fortão” ameaça “percorrer o país”. Nunca o fez. Sua última concentração popular deu-se em Monteiro, onde celebrou a transposição das águas do São Francisco.

Agora o comissariado informa que ele cogita fazer um périplo internacional para defender-se no circuito Elizabeth Arden: Nova York, Paris, Roma. A ideia é engenhosa porque nessas cidades, a qualquer hora, há algumas dezenas de pessoas dispostas a defender o “fraquinho” e não há quem se disponha a sair de casa para vaiar o “fortão”.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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