Ruy Castro – Folha de São Paulo
RIO DE JANEIRO – Uma organização internacional elegeu Portugal o melhor destino turístico do mundo em 2017. O arrazoado da premiação aponta algumas qualidades do país e é fácil arrolar muitas outras. Portugal tem serviços de primeira, culinária excepcional, bons vinhos, as melhores praias da Europa, sol na maior parte do ano, um povo de incrível gentileza, cidades lindas e bem cuidadas, e, para os padrões europeus, é baratíssimo. O mundo está apaixonado por Lisboa e vê essa paixão correspondida.
É uma cidade completamente diferente da Lisboa em que fui morar, em janeiro de 1973, para dirigir uma revista local. O ditador Oliveira Salazar morrera havia pouco, depois de 40 anos no poder, mas seu regime continuava, sob as rédeas do sucessor. Rédeas é bem o termo –enquanto a Europa deslanchava em modernidade, Portugal era uma carroça, fechada a tudo que fosse novo ou estrangeiro. A sensação de asfixia era total, na imprensa, nos costumes e no dia a dia. Não se viam jovens nas ruas –as moças viviam trancadas em casa e os rapazes, lutando numa brutal e inglória guerra colonial na África.
Guerra esta perdida, e que resultaria na Revolução dos Cravos, a queda da ditadura, em 25 de abril de 1974. Aos meus olhos, Portugal começou a mudar naquele dia. Desde então, conheceu crises, superou-as e nunca mais parou. Voltei para o Rio em fins de 1975, mas foi como se nunca tivesse saído. E de há muito essa sensação só cresceu: tenho filha e netos portugueses, o que sempre me leva a Lisboa.
Sou maluco por tudo que encanta os turistas em Portugal, mas meu amor por ele se estende a três fatores talvez menos considerados: a extraordinária luz de Lisboa e arredores; os 800 anos de história do país; e a língua, que leio e ouço como se fosse música.
Só uma coisa me preocupa por lá. Brasileiros demais.