Delírios do politicamente correto

Obsessão por palavras está criando uma sociedade paranoica

“Praga”. Esse é o termo que a pesquisadora Camille Paglia usa para se referir ao politicamente correto. A busca constante por preconceitos nos mais ínfimos detalhes do cotidiano, segundo ela, se assemelha a um transtorno mental, uma alucinação coletiva. O que aconteceu no programa “Em Pauta”, do canal Globo News, é prova disso.

Uma jornalista foi repreendida porque falou a palavra “denegrir”. Segundo o apresentador que passou o pito, “não se usa mais essa palavra”. Pelo visto, há por aí uma polícia etimológica. Fato é que a jornalista pediu perdão e, provavelmente, nenhum outro jornalista da emissora se atreverá a cometer tal pecado novamente. Se a moda pega, capaz de a censura atingir outros veículos —o que faz com que esse problema não seja algo banal.

A justificativa é que o termo “denegrir” associa algo ruim à raça negra, já que o sentido figurado é “manchar a imagem de alguém”. Vinda do latim “denigrare”, o sentido literal é “tornar escuro”. Nada a ver com raça. Mesmo se tivesse origem racista, o uso contemporâneo do termo não tem. Ninguém pensa em raça quando usa “denegrir”. O sentido é sempre “difamar”, “falar mal de alguém”.

Logo, ver racismo nessa palavra é uma alucinação. Um delírio de intelectuais que buscam criar um paraíso igualitário a partir do mundo das ideias desconsiderando o mundo real.

Estamos criando uma sociedade neurótica e, no limite, paranoica. Estimulando sensibilidade excessiva através da ignorância em vez de mobilizar potencialidades através do conhecimento. Um perigo, principalmente para os mais jovens, e esse é o lado mais perverso da obsessão pelas palavras. Além disso, fornece-se munição gratuita para reacionários que usam esses delírios para desmerecer toda a luta antirracista, feminista etc. Até quando vamos fingir que faz sentido proibir palavras em um país no qual chacinas em comunidades pobres fazem parte do cotidiano? Até quando vamos bater palma para alucinações enquanto somos estapeados pela realidade?

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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