Tente uniformizar o design dos aviões sem ouvir os comandantes, os controladores de voo, os engenheiros, o pessoal de terra, os meteorologistas e as aeromoças. As turbinas acabarão no lugar das rodas e as asas sairão do nariz do avião, como bigodes. Foi o que aconteceu à língua portuguesa com o “Acordo” Ortográfico imposto pelo Brasil e, até hoje, não aceito nem assimilado por Portugal.
Há dias, o ministro da Cultura, Juca Ferreira, admitiu que “talvez tenhamos errado no processo de normatização, que teve um caráter tecnicista e não envolveu os criadores de todos os países”. Exatamente: esqueceram-se de combinar conosco, que lidamos com a língua nas escolas, nos livros, nos jornais e na publicidade. Sem necessidade, baniram grafias seculares de Portugal, assim como o hífen, o trema e os acentos diferenciais. O resultado são monstrengos como “Dilma para para pensar” –com perdão pelo oximoro.
De que adianta o “acordo” criar uma escrita comum se as pronúncias continuam diferentes, além da particularidade de milhares de conteúdos? No Brasil, uma mãe que se orgulha dos filhos e os protege é uma mãe coruja. Em Portugal, é uma mãe galinha. Vá dizer aos portugueses que eles deveriam mudar isso.
O ministro reconheceu que o português dos países africanos “interage com 50 idiomas”. O do Brasil também, mas todos em inglês. Por que Portugal não pode continuar a escrever “facto” se nós próprios escrevemos “factual”?
A magia da língua portuguesa é a de que, não importa a variedade de grafias ou pronúncias, ela é sempre compreensível para os que a falam e leem, sejam portugueses, brasileiros ou africanos. “A língua é viva, e temos a vida inteira para aperfeiçoar o Acordo Ortográfico”, disse o ministro. Eu não tenho. Por isso, não aderi a ele. Continuo escrevendo lingüiça e, se quiserem, me corrijam.