Macaco Solda na interpretação de “Macacos me mordam!” Foto de Maringas Maciel feita em dezembro de 2010
Solda, Censura e Neoliberalismo, ou “El presidente y los macaquitos”. Quando afirmo que há menos liberdade hoje do que no tempo da ditadura militar, sempre há quem me chame de pessimista, entre outros adjetivos bem mais pesados.
No entanto, aí está o “Caso Solda” prá mostrar que tenho razão. O que os militares faziam prendendo e arrebentando – na expressão consagrada de um deles, que já esqueci quem era – agora se faz por procedimentos jurídicos e econômicos, sacaneando quem ousa extrapolar da passividade generalizada, com demissão.
Não lembro se o Solda foi censurado durante as quase três décadas de regime ditatorial – para agora ser vitimado, em pleno século XXI, pela mais tosca e safada das pressões: aquela que atinge o indivíduo em seu sustento.
Nos anos setenta, Umberto Eco, um dos “professores da modernidade”, escreveu uma de suas muitas obras-primas que abriram a cabeça do mundo para os fenômenos da contemporaneidade. Em “Obra Aberta”, ele assinala que as obras mais importantes da História da Arte são ambíguas em seu recado. O sorriso da Gioconda, um edifício de Mies van der Rohe, um filme de Godard (exemplos meus): quem vê, conhece, assiste, atribui à obra significados que não estão necessariamente na intenção do autor, mas em grande parte – variando de zero a cem por cento – no repertório cultural, nos valores do leitor.
Para além da excepcional qualidade do desenho inconfundível do Solda, que o coloca entre os maiores cartunistas brasileiros de todos os tempos, o cartum censurado contém ambigüidades, como deve ser uma obra não fechada e não hermética. E portanto, na ótica de um pensador acima de qualquer suspeita como Eco, tem a qualidade de permitir que os leitores vejam nela significados em que o próprio Solda não pensou nem poderia ter pensado, visto que dependem do acervo do leitor. A legenda, que remete ao gesto do macaco, participa dessa ambigüidade.
As acusações contra o Solda são de racismo e abuso da liberdade de expressão. As duas são ridículas: liberdade de expressão, como qualquer outra liberdade, existe ou não existe; se existe é para ser usada. Lá nos tempos ditatoriais, Millôr Fernandes disse que “só jornais mentirosos, escandalosos, corruptos e caluniadores nos dão a medida da nossa liberdade de imprensa”. Quer dizer: se há limites, não há liberdade.
Quanto à acusação de racismo, ai que cansaço: o Solda, se tem alguma intolerância, é contra qualquer tipo de preconceito. Acusá-lo disso é apenas mais um imbecilismo do “politicamente correto”, uma farsa, destinada a gerar causas e processos e deixar tudo igual. Ou pior.
Qualquer macaco velho com a folha de serviços do Solda, sempre batalhando por uma Justiça de verdade, sabe que levar porrada faz parte do ofício de quem ousa ser contra a subserviência ao autoritarismo. Humor a favor não existe, a não ser como piada. A própria atitude do jornal, não dando explicações, é no melhor estilo autoritário, “fi-lo porque qui-lo”
Ninguém se refere ao tema do cartum, que é a revolta planetária contra a facilidade com que o xerife saca seus mísseis e mariners contra os mais fracos – entre os quais nós, bananeiros. Pelo menos os que não acreditamos nessa conversa prá macaco dormir de “sétima economia do mundo”. Pensando bem, sete é mesmo conta de mentiroso…
Continuamos sendo tratados com condescendência, como macaquinhos de zoológico – nos dão umas bananinhas nanicas prá acharmos que a jaula é melhor que a floresta. Liberdade de expressão, liberdade de imprensa – banana prá quem acredita que isso existe em “democracia” neoliberal…
Key Imaguire Jr. é arquiteto e professor
28 de março, 2011 | Do blog do Zé Beto