Se Maradona não tivesse sido jogador de futebol, poderia perfeitamente se aventurar pelo mundo do humor com igual destreza. Ele não era um gênio apenas driblando meio time da Inglaterra, durante uma Copa do Mundo. Tinha tiradas verbais memoráveis e uma inteligência privilegiada, com respostas rápidas e observações precisas sobre o mundo do futebol, política e a infância miserável na favela de Villa Fiorito, na Argentina. Quase tão boas quanto Muhammad Ali.
Maradona dizia que havia crescido em um bairro privado de Buenos Aires. Privado de luz, água e telefone. Quando chegou para jogar no Boca Juniors, deu uma declaração dizendo que o time tinha menos definição que os televisores de Villa Fiorito. Nos potreros do bairro (campinhos de terra), contou que levantava tanta poeira durante as partidas que lembrava a neblina de Wembley. Certa vez o chamaram de “mágico” e respondeu que mágicos eram os moradores de Fiorito, que tinham que fazer mágica para viver com apenas 400 pesos por mês.
Ao jogar pela primeira vez no norte da Itália, pelo Napoli, a torcida local gritava índio para ele. Pena que esqueci de trazer meu arco e flecha para acertar algumas cabeças, respondeu. Seus embates com dirigentes da FIFA também eram memoráveis. Sobre Havelange, dizia que não podia confiar num homem que você lhe jogava a bola com os pés e ele te devolvia com as mãos. Sobre Blatter, afirmou que ele o tinha como um filho. Um filho da puta. Sobre Pelé, várias vezes ironizou as declarações do brasileiro dizendo que o Rei havia tomado os comprimidos errados. Quando fez o gol com a mão, saiu com a genial frase: “foi com a mão de Deus”, o que lhe valeu o apelido que carregou para o resta da vida na Argentina. Aliás, costumava se referir a Deus como “o Barba” e sempre que alguém fazia alguma coisa errada, ele dizia que “a fulano se lo escapó la tortuga”.
Isso para mim é particularmente engraçado porque, quando era adolescente, eu tinha uma tartaruga e vergonhosamente a deixei fugir. Se me escapó la tortuga. Mas é outra história. Outros termos que usava era “se le tomó el leche al gato” e “cabeza de termo”, que sinceramente me parece só uma descrição absurda tipicamente maradoniana. Porém, o absurdo sempre fez parte da vida de Maradona. A começar pelo absurdo que jogava com aquela perna esquerda.