Apagar-me, para que meus olhos possam acostumar-se com o escuro. Toco onde está a falta, a fala, o silêncio. Onde se forma o vazio, onde está a essência, onde se encontra a raiz dos sonhos. A origem da linguagem.
Na matemática imprecisa dos gestos, a vontade de mergulhar no abissal mundo dos segredos profundos, do rasgo em que se ouve a falha, a faísca do possível, o caminho sem volta.
A pele se transforma em veludo, costuro-a para que me proteja das tempestades, para que me aqueça, para que carregue junto ao vento as poesias, para que sopre bem leve na minha nuca, para que a delicadeza seja uma forma de salvação.
Uma cicatriz invisível se abre entre as frestas do corpo. Tudo expande, dilata, permanece. Sem sangrar a memória, lembro o medo de altura, a sensação vertiginosa de olhar para baixo. O abismo a um passo do concreto. O ínfimo segundo que te move para trás. Ou para frente.
O lugar onde estão os medos, os sonhos, os vãos, as esquinas que levam ao imprevisto, ao imprevisível, à dúvida. Os espelhos prolongam as matizes, a pele-veludo faz girar o caleidoscópio das luzes, brilha, ilumina.
Cubro-me com a ausência das cores. Volto à origem, à substância, ao que se sente e não se vê.
Faço do não a prerrogativa do sim.