Passei uma década com dificuldade para dormir. Tive uma trégua de três anos mergulhada naquele sono ao qual só anjos sem boleto para pagar se permitem. De uns meses para cá não consigo acordar sem me arrastar da cama e esperar uma hora até que os neurônios consigam se conectar. O mesmo remédio que me tirou do inferno da insônia cobra o preço com ressaca diária.
Sou viciada em zolpidem, o remédio que virou pauta nas redações, assunto nas redes sociais, no WhatsApp, em qualquer mesa de jantar. Conheço uma dúzia de pessoas que usa, parte delas com acompanhamento médico, outra, brincando de roleta russa. Tenho experiência nos dois grupos.
Comecei com a indicação para regular o sono no ano que trabalhei num fuso diferente. Acordava às 4h15, mas não conseguia ajustar o meu relógio biológico de coruja ao amanhecer das galinhas. Funcionou. Mas o que era para ser temporário virou contínuo. Falava para mim mesma, quando quiser, eu paro. Pois é. De fato, no início, eu tomava uma meiota do comprimido e nos finais de semana deixava o sono chegar naturalmente. Mas ao menor sinal de dificuldade para dormir, minha mão seguia sorrateira até a gaveta da mesinha de cabeceira. Pronto.
Voltei ao horário que meu corpo funciona melhor, mas nada voltou a ser como antes, nem a memória. O zolpidem passou a ir para cama comigo todas as noites, se estou cansada, de férias, alegre, de pileque. Não consigo dormir sem me drogar. Ao apagar a luz, o modo zumbi é ativado e só se desarma com um comprimido inteiro.
No dia seguinte, ressaca física e moral, a promessa de procurar um médico para me desintoxicar. Falando neles, justiça seja feita, muita gente se medica por conta própria. Apesar de ser controlado, não é difícil encontrar a farmácia que faça vistas grossas para falta de receita. Adivinhe o que tem no cardápio dos traficantes, hoje, além de maconha, coca, MD etc.? Isso mesmo: zolpidem.