Massacre no Cinema

Muita gente não tem a menor ideia de como um filme de longa-metragem é feito.  Não sabe, e não se interessa em saber.  Deve achar que é como filme de aniversário de criança: organiza-se a festa, chama-se o rapaz com a câmara, e no outro dia o filme está pronto pra passar.  Não é assim.  É um trabalho insano e cansativo, que envolve às vezes anos de preparação, meses e meses de execução, e no final deixa centenas de pessoas esgotadas de tanto esforço.  E custa (geralmente) milhões de dólares – sempre com a expectativa de render bem mais.

Quando a gente se queixa da violência dos filmes, da TV, dos videogames, está de certa forma se queixando não apenas da possível má influência mental que eles possam vir a ter sobre as pessoas, principalmente os mais jovens, mas também do paradoxo de que tanto dinheiro e tanto esforço se concentrem em produzir coisas assim, quando seria possível, talvez, ganhar dinheiro com filmes diferentes – afinal, comédias, filmes românticos, filmes de simples aventuras, tudo isso também costuma dar bons lucros, quando acerta com o “paladar” da galera

A matança que aconteceu nos EUA na pré-estréia do novo “Batman” de Christopher Nolan não é uma consequência do filme, nem desse tipo de filme.  Os dois são sintomas de nossa fascinação permanente pela violência e pela destruição. Somos seres biológicos, de carne e osso, vulneráveis à violência, condenados à morte, e por isso pensamos nisso o tempo todo.  Somos o único animal que sabe que vai morrer e o único que (como diz o ditado) morre mil vezes de mentira antes de morrer de verdade. Batman, o herói desarmado que evita matar, é o Ego tentando reprimir os Coringas incontroláveis da crueldade, e sentindo sempre o horror de se saber semelhante a eles.

Cresci numa época em que a censura etária era mais rigorosa nos cinemas, e não havia a TV a cabo, como hoje, passando sexo pornô e esquartejamentos explícitos ao alcance de qualquer guri de 10 anos.  A galera de hoje sofre um verdadeiro massacre de violência, e não o faz a contragosto, faz (se bem recordo minha infância) por fascinação própria. Quando eu tinha dez anos eu queria ver isso tudo.  Não queria que acontecesse a ninguém, mas se acontecesse eu queria ver como foi. Não é de admirar que ao lado de 999 caras que querem somente “ver como foi” apareça 1 querendo fazer.  Somos animais de carne e osso com uma trágica consciência da dor, da maldade, da morte. 

Um dia nos transformaremos em avatares eletrônicos dotados de consciência, mas enquanto isto não ocorre iremos sentir o que Augusto dos Anjos descreveu como “essa necessidade do horroroso/que é talvez propriedade do carbono”.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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