Me deixem envelhecer em paz!

Velhofobia e a prisão dos corpos femininos

Na semana passada, uma jornalista me perguntou: “O que você achou do rosto inchado da Madonna no Grammy Awards 2023? Você acha que ela tem pânico de envelhecer e é escrava da ditadura da juventude? Ou que ela continua transgressora e não liga para a opinião dos outros? Será que ela fez de propósito para lacrar e provocar polêmica? Ela só tem 64 anos, por que está tão monstruosa, irreconhecível e deformada? Por que ela faz tantas loucuras e não aceita o próprio envelhecimento? Sou tão fã, não esperava isso da Madonna”.

A própria Madonna, que foi criticada e massacrada no mundo inteiro, já respondeu dizendo que qualquer pessoa ficaria horrorosa se tirassem uma foto dela com uma lente X numa distância Z e ângulo Y.

Para mim não importa se a lente era assim ou assado, se foi o ângulo da foto, se ela está realmente com esse rosto nem a quantidade de procedimentos que a Madonna fez ou ainda irá fazer durante a vida.

Lógico que posso estranhar, não gostar, achar melhor que as mulheres não façam tantas loucuras para não envelhecer em uma cultura onde impera uma verdadeira ditadura da juventude.

É exatamente por constatar que existe um enorme sofrimento com o pânico da velhice que pesquiso e escrevo sobre envelhecimento, liberdade e felicidade. Há algumas décadas, criei o conceito de que, no Brasil, o corpo jovem é um verdadeiro capital, especialmente para as mulheres.

Sei lá o que a Madonna fez com o seu corpo, só sei que me incomodou profundamente o fato de tantas mulheres massacrarem a Madonna pelo seu rosto “deformado, irreconhecível, monstruoso, horroroso, inchado” e coisas muito piores.

Eu também me sinto extremamente criticada e massacrada, principalmente pelas mulheres, apesar de nunca ter feito qualquer procedimento, cirurgia, botox, preenchimento etc. Sou patrulhada por algumas mulheres para me “cuidar mais”, para não ficar uma velha ridícula e decrépita, para corrigir as pálpebras caídas, levantar os peitos, dar uma puxadinha no pescoço, pintar o cabelo ou, ao contrário, deixar os fios brancos.

Eu consigo enxergar três caminhos para experimentar o meu próprio envelhecimento:

a velhofobia — o pânico de envelhecer, o olhar negativo que só enxerga feiura, doença, decadência e perda na velhice;

a Velheuforia — a ideia de que posso fazer todas as loucuras que quiser porque já estou velha, tudo o que nunca fiz antes, do tipo é agora ou nunca mais;

a Velhautonomia — a sensação de que, pela primeira vez na vida, sou realmente livre para ser eu mesma, sem me preocupar com a opinião e julgamento dos outros.

Em maior ou menor grau, convivo com essas três sensações dentro de mim.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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