Ao Excelentíssimo
Senhor Anderson Torres
Ministro da Justiça Brasília, 17 de março 2022
Senhor Ministro,
Com imensa surpresa e natural espanto, tomei conhecimento de que o senhor Jair Bolsonaro foi condecorado com a medalha do Mérito Indigenista.
Ao longo da história da humanidade, os povos autóctones tornaram-se vítimas de toda sorte de atrocidades cometidas por representantes de sociedades que se acreditam civilizadas e tementes a uma potestade superior.
Os povos originários do continente americano – do Alasca à Patagônia – tiveram os territórios, onde milenarmente viviam, invadidos e drasticamente reduzidos. E, em nome de interesses sempre menores, condenados à morte.
Quando deputado federal, o senhor Jair Bolsonaro, em breve e leviana manifestação na Câmara dos Deputados, afirmou que “a cavalaria brasileira foi muito incompetente. Competente, sim, foi a cavalaria norte-americana, que dizimou seus índios no passado e hoje em dia não tem esse problema no país”. Ofendeu o senhor Jair Bolsonaro, ao vocalizar sua crença, seus desejos, a memória do marechal Rondon, e por extensão do Exército brasileiro.
Dediquei minha vida ao trabalho de defender os direitos humanos de uma parcela da humanidade que vive em outro tempo histórico, mas que compartilha com a sociedade envolvente o mesmo tempo cronológico.
Há 35 anos, vivi a honra de receber a medalha do Mérito Indigenista. E como é de público conhecimento, delegou-me, em 1991, o coronel Jarbas Passarinho, então ministro da Justiça, a tarefa de demarcar, em nome do governo brasileiro, a Terra Indígena Yanomami. Meus companheiros e eu da Fundação Nacional do índio – Funai a cumprimos. E disso nos orgulhamos.
Entendo, senhor Ministro, que a concessão do Mérito Indigenista ao senhor Jair Bolsonaro é um flagrante, descomunal, ostensiva contradição em relação a tudo que vivi e a todas as convicções cultivadas por homens da estatura dos irmãos Villas Boas.
Por essas razões. senhor Ministro, devolvo ao governo brasileiro, por seu intermédio, a honraria que, no meu juízo de valor, perdeu toda a razão pela qual, em 1972, foi criada pelo presidente da República. Acompanha a presente mensagem, o estojo contendo Medalha do Mérito Indigenista, Pin, Broche e cópia do diploma.