Qual seu maior medo em relação aos filhos?
Você entra em uma máquina do tempo e é catapultado para o passado. Chegando lá descobre que não tem direito a frequentar a escola, não pode trabalhar e seu casamento será arranjado. Pergunta: você chegou lá como homem ou como mulher?
Outra questão: o ano é 2023 e você segue em viagem para um destino desconhecido, ao desembarcar, encontra a mesmíssima circunstância descrita acima. Em que país você chegou? No primeiro caso você é uma mulher, óbvio, no segundo, você chegou no Afeganistão sob o regime do Talibã (mas poderia ser o Iêmen, Síria…).
Não sabemos se ou quando traremos essas meninas da Idade Média para o século 21, por isso, a depender do ponto de partida e de chegada, o migrante não se desloca só no espaço, mas, principalmente, no tempo.
O antídoto para controlar a sanha humana de submeter um gênero ao outro passa pela criação e vigilância de um novo pacto social, mas pode chamar de feminismo mesmo.
Os coletivos feministas, os que me inspiram pelo menos, têm essa aspiração: unir mulheres (e homens) em defesa de pessoas oprimidas por seu gênero, considerando as diferenças raciais e de classe.
Trata-se da permanente luta para evitar que metade da humanidade submeta a outra a seus desejos.
Aqui os homens se dividem. De um lado existem aqueles que, cientes de seu lugar nessa engrenagem destrutiva decidem entendê-la e, conscientemente, parar de reproduzi-la, estabelecendo relações muito mais complexas e gratificantes com a feminilidade.
Dá trabalho, mas a vantagem é que a energia gasta para manter a fachada de machão, que tanto fragiliza e emburrece os homens, pode ser gasta cuidando de si e do outro. Ou seja, pode ser gasta amando e sendo amado.
Alguns homens criam espaços de reflexão para falar das questões da masculinidade. O tema merece ser debatido para que repensem quem se tornaram na fila do pão a partir da luta das mulheres. Se a definição de masculinidade se dava às expensas de serem o oposto da mulher e de ter poder sobre elas, agora lhes cabe descobrir quem são sem apelar para o anacronismo.
Mas, como em toda luta por poder, espaços não são cedidos facilmente. Muitos homens têm apostado no recrudescimento dos estereótipos de gênero. É nessa hora que não usamos a palavra masculinidade, mas machismo, pois ela se refere a considerar as diferenças de gênero como diferenças de valor.
São homens que se apavoram e ficam paranoicos com a possibilidade de receberem das mulheres o mesmo tratamento que lhes oferecem: mandar, trair, coagir, abusar. Isso sem entrar na seara dos atos criminosos que resultam desse discurso: estuprar, torturar e matar.
Para justificar o poder sobre o outro é absolutamente necessário que ele seja demonizado. À mulher, desde Adão e Eva, é imputado tudo que da sexualidade humana gera angústia por não sabermos nem controlarmos.
Elas são ditas dissimuladas, inconstantes, manipuladoras. Daí que os jovens —iniciantes na descoberta do próprio desejo sexual, do próprio corpo, de como abordar o outro— são mais suscetíveis a discursos que prometam compensar suas inseguranças. Por isso eles se tornam alvo fácil daqueles que ganham a vida fomentando a paranoia e a insegurança masculina da qual decorrem as violências que deixam insones pais e mães de meninas.
Sugiro o belíssimo filme holandês “Close”, no qual se vê a sombra que se projeta sobre a virilidade dos meninos quando eles cultivam uma amizade íntima e calorosa —comumente associada à relação entre meninas.
Bem longe do Afeganistão, aqui mesmo, uma mulher sofre violência a cada 2 minutos, é estuprada a cada meia hora e é vítima de feminicídio a cada 6 horas.
Ciente disso, qual seu maior medo em relação aos filhos?