O breve e quase gratuito comentário de Fernando Soares, o Baiano, que é um dos mais prolíficos delatores da Lava Jato, faz uma advertência sem tal intenção: “Tem muito ainda para acontecer na Lava Jato”. Ou seja, os abalos políticos e judiciais não se encerram no seu atual capítulo. O que leva a pensar no estado do regime democrático submetido a um processo assim.
O Supremo Tribunal Federal fez, com a sessão desta quarta (16), a abertura de uma previsível etapa, com propensão a se tornar histórica, de interferências em situações de choque e de desafio à construção democrática. Escrevo quando o STF faz ainda essa primeira sessão. Mas antes mesmo se viu e ouviu o suficiente para saber que faltam certas providências, algumas indispensáveis, com que enfrentar mais abalos e choques, sem que terminem por ferir conquistas alcançadas com muita dificuldade.
Os resultados positivos da Lava Jato não diminuem as indagações deixadas por seu desenrolar. Nem, sobretudo, os reparos aos fatos a que foram expostas, na visão de respeitáveis advogados e juristas, muitas circunstâncias das defesas e dos suspeitos ou acusados. Não são problemas atribuídos só ao grupo propriamente da Lava Jato, mas também à Procuradoria Geral da República e mesmo ao Supremo.
Dispõe-se de uma recente e valiosa instância para exame daquele gênero de problema. No ano e nove meses de ação da Lava Jato, no entanto, o Conselho Nacional de Justiça esteve alheio a tais questões, mesmo para a mera coleta de informação. A menos que o tenha feito em tamanho sigilo, que de nada se soube. Mais ou menos o mesmo se pode dizer do conselho paralelo, o que se ocupa dos procuradores da República, se bem que, no caso, as expectativas sejam diminuídas pelo excessivo corporativismo da classe.
A invasão das práticas corruptas não deixa dúvida de que, se estendidas investigações em qualquer direção, a ação da Lava Jato se projetaria em direção à eternidade, desdobrada em incontáveis sucedâneas. Isto não é esperável, mas tudo leva a crer, com Fernando Baiano, que a Lava Jato ainda trará muito, e outras investigações são promissoras.
Com isso, para proteger a construção democrática dos efeitos também lesivos do enfrentamento à corrupção, as instâncias competentes tornam-se devedoras, ao país, de uma revisão dos métodos e dos meios até aqui utilizados. É de sua responsabilidade assegurar que fiquem adequados à medida exata dos rigores e dos direitos do Estado de Direito democrático. Do contrário, o êxito, por um lado, vai destroçar o já construído em outro. Não faltam exemplos assim.
CONFISSÃO
A constatação de que Michel Temer também praticou “pedaladas” financeiras no governo, estando sujeito ao mesmo que coubesse a Dilma Rousseff, criou uma articulação no Tribunal de Contas da União para deslocar as acusações feitas pelo relator Augusto Nardes, dirigindo-as aos então ministro da Fazendo e secretário do Tesouro.
É um plano sórdido, na sua implícita confissão de propósitos não mais do que políticos na acusação à presidente, dando repentina interpretação nova a uma prática sempre aceita pelo TCU. Eduardo Cunha não tem exclusividade de nada.
Janio de Freitas – Folha de S.Paulo