Bem, a história da cartolina (hoje os recursos evoluíram e os papéis de trabalho se sofisticaram, mesmo para o cartunista analógico) aconteceu em 1976 na redação do Diário do Paraná, onde o Retta e o Solda davam expediente. Eles tocavam o suplemento Anexo para o Reynaldo Jardim, em ritmo diário e frenético – principalmente depois das 16 horas. Quando cheguei, por volta disso, o Solda se preparava para fazer o desenho do dia, algo que pudesse preencher espaço e, ao mesmo tempo, dar prazer estético aos leitores. (Do meu ponto de vista, era como se você pedisse para que o Poty ou o Portinari criassem desenhos para ilustrar um texto do Toninho Vaz. É melhor reduzir o texto à fonte 8, 6, quem sabe?, e deixar o talento dos mestres à frente.)
Mas, foi assim: o vidrinho de nanquim estava aberto sobre a mesa, ao lado de uma grande folha de papel em branco e, súbito, num gesto desavisado, alguém entornou a tinta preta deixando uma grande mancha central na cartolina. Todos exclamamos, surpresos: “Porra… que merda!”. Mas nada podia ser feito, o desastre estava consumado. Certo? Errado. O Solda se afastou, olhou a coisa de cima, deste e daquele ângulo e, como num gesto digno de um maestro, usou o dedo como pincel – ou batuta, sei lá… Com poucos traços, para deleite geral, ele fez um Chaplin sensacional, quando a grande mancha transformou-se no gigantesco chapéu coco e, logo abaixo, num toque surpreendente, o bigode preto característico. Uma arte literalmente digital.
Eu puxei o cordão: Bravo! No dia seguinte, o desenho ocupava a capa do suplemento, em tamanho monumental, como um presente fino aos leitores. Se é que vocês me entendem? (da série Quando a Campina do Siqueira era uma área rural)
Toninho Vaz
PS: Evidentemente, não tenho a arte mencionada pelo Toninho, mas refiz a ilustração baseada em um recorte do suplemento Anexo da época, amarelado, marca implacável do tempo. (Solda)