RIO DE JANEIRO – Oito sebos de livros fecharam em 2015 num importante trecho do centro do Rio, adjacente à Saara -esta, o velho e querido distrito comercial de árabes e judeus entre a rua Uruguaiana e o Campo de Santana, abaixo da rua Buenos Aires. Os sebos ficavam da Buenos Aires para cima, em ruas abertas há 400 anos e encharcadas de história: a Luiz de Camões, ex da Lampadosa, palco do calvário de Tiradentes; o largo de São Francisco, berço da engenharia brasileira; a dos Andradas, antiga rua do Fogo; e a da Conceição, a travessa das Belas Artes, o beco do Tesouro.
No século 19, esses quarteirões foram o território de José de Alencar, Manuel Antonio de Almeida, Machado de Assis, Joaquim Nabuco, Olavo Bilac, Raul Pompeia, Euclides da Cunha. Os escritórios, cafés e livrarias em que eles circulavam estão em seus escritos e nos de seus biógrafos. Com o tempo, a região perdeu a supremacia para novas ruas e avenidas. Restou-lhe o comércio popular, em que os sebos sempre tiveram importante papel. À sua maneira, eles mantêm viva a cultura -porque é a eles que os estudantes e os aposentados, sempre duros, recorrem para o seu prazer de ler.
Os sebos são um comércio frágil e humilde -você nunca verá um deles num shopping. E nem precisam: seu habitat natural são as ruas antigas e decadentes, para onde ninguém quer ir. Ou não queria.
Há algum tempo, os chineses descobriram aquela região. Fazem propostas de aluguel ou compra dos imóveis impossíveis de ser superadas pelos pequenos comerciantes. Diante da crise, os proprietários não hesitam: despejam o seu inquilino de décadas e entregam o imóvel a pessoas que nunca viram, dedicadas a saturar a praça com porcarias de plástico made in China.
É o mercado, e talvez não haja nada a fazer. Mas, a cada sebo que fecha, o Brasil fica menos brasileiro.
Rui Castro – Folha de São Paulo