Mestre da Vida – 2006

Aquele Sérgio que nos fazia rir é este Mercer que choramos agora. Aquele domador de palavras, autor e ator de performances impagáveis! Era ironia, era poesia, era pura graça. E eis que era, de súbito, a reflexão aguda. Desvendava realidades recônditas – e também aquelas apenas turvadas por algum tipo de preconceito – com a simplicidade de quem destampa uma panela.

Descia o chicote na mediocridade, e isso era espetáculo à parte, indignação e chiste compondo números memoráveis, de que os amigos todos lembramos com detalhes , mas sem saber repetir. Como reproduzir atuações como aquelas!? E era encantado com as idéias. “Toda a força às idéias”. De quem , ou de onde viessem , idéias faziam brilhar seus olhos, ele que era uma usina de idéias. E que idéias! ´É dele o inesquecível “Eu quero votar para Presidente”, que embalou o movimento pelas diretas em 1984. Também dele, como tantas outras memoráveis, a campanha do “Lixo que não é Lixo”, de 1989, que ajudou a projetar Curitiba no imaginário ecológico do mundo. Sua contribuição à publicidade e à cultura da cidade, caudalosa e relevante, bem que merece resgate.

E era generoso. Com aqueles dentes grandes e desalinhados entre si mas quase sempre sincronizados em em um sorriso escancarado e cativante, era o primeiro a alertar os amigos sobre filmes, peças de teatro, livros, artigos de jornal, restaurantes, qualquer coisa boa que passasse por ele. Coisas de ver, ler, ouvir ou comer. Comer era de grande relevância na roda de glutões que fomos , ainda mais quando ele se afastou do álcool. Ouvir também era fundamental , posto que era nosso professor de jazz , ele que sabia tudo de jazz e quase tudo de música em geral. Tirava umas canções do piano, mas era quando tocava seu bandoneon inexistente que mais nos encantav. Pura mímica, puro ilusionismo, e a gente jurando que ouvia de verdade os grandes tangos que tirava daquele bandoneon imaginário.

Sem esquecer as impagáveis paródias de milongas que ele compunha, e que eram só para rir, para castigar a mesmice que espreita o cotidiano. E havia também o cantinfleio, termo que criou para descrever aquele falar rápido e surreal do inesquecível Cantinflas, que imitava com muita graça, ainda mais quando se fazia necesário explicar o inexplicável. Aquele nosso querido Mercer! Sim, era também um ator. Mas bem me lembro dele como pensador. Mestre, mestre Mercer, nosso professor de vida.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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