Como o gaúcho Luís Fernando Veríssimo, enraizado em Porto Alegre, explodiu a hegemonia da dobradinha São Paulo-Rio em matéria de humor. Miran, seu vizinho paranaense, também correndo por fora, fez o mesmo com as artes gráficas. Talento caleidoscópico e camaleônico, o de Miranda, como o trata respeitosamente Herb Lubalin, um dos sumos sacerdotes do graphic design, essa sofisticada religião do século XX. Quando quer ele é Milton Glaser, é Saul Bass, é Mo Lebowitz, qualquer um desses monstros sagrados venerados em papel couchê nos Graphis da vida.
É como se um pistonista de Curitiba conseguisse tocar exatamente como Miles Davis. Espiritismo? Pastiche? Não, recriação. Em artes gráficas ninguém inventa nada, como os artífices daquelas catedrais da idade média não inventaram, mas tinham que saber tudo sobre o seu ofício. Talento? Sem dúvida. Mas em artes gráficas talento não vale nada sem 1) informação 2) recursos gráficos (leia-se grana) que viabilizem a execução dos projetos em condições ideais.
Talento e informação Miran tem de sobra e teve a sorte (sorte? Deus ajuda a quem se ajuda) de contar com o apoio da Fundação Cultural (que lhe deu a Raposa, uma publicação de humor, muito bem impressa, para deitar e rolar). Graphic design é a arte maior (acho que é única) do capitalismo e Nova Yorque é a meca para onde seus acólitos do resto do mundo se voltam devotadamente. Existem pequenas diferenças regionais de estilo (como os posters poloneses por exemplo) mas o dogma, em bloco, é monolítico. Não conheço nenhum grande artista gráfico que não desenhe em inglês.
Já como cartunista (lembram dos cartuns dele no Pasquim?) aí sim. Miran chega a soluções pessoais, brasileiras, eu diria sul-basileiras. Seu traço vai direto ao alvo como um upercut bem encaixado. Mas é premiado demais, solicitado demais, como artista gráfico, parodiando Drummond: Vai, Miran, ser artista gráfico na vida. Uma página projetada por ele é irretocavelmente bela. Tensa como a corda esticada de um equilibrista, proporção perfeita entre ilustração e texto. Mas, principalmente sabe usar o espaço em branco como um bom músico sabe usar o silêncio.
Jaguar (Sérgio Jaguaribe), do livro Miran, Um Rapaz de Fino Traço, 1991, 2ª Edição