Venho sendo cercado por telefonemas, recados eletrônicos e fáquicis, tentando me cooptar pra apoio à manifestação pró CINEMA, dia 28, na Cinelândia. Apenas pela posição física deste quadrado (não tenho ilusão), há sempre tentativas de transformá-lo na “Voz do Povo Aflito e Desamparado”, e no “Último Hálito da Liberdade”, na “Tribuna Sem Medo e Sem Vergonha”, e por aí. Mas se entro nessa, adeus! Millôr vira um chato comum, deixa de ser um chato personalizado. Pô, já não basta o tempo do meu deinde philosophare desperdiçado com a inacreditável mediocridade e mutretariedade da administração carioca?
Mas, afinal, abro exceção pra panfletagem do cinema com o poema gráfico do curitibano Solda e do não menos curitibano, cineasta Sylvio Back(*). O grafismo é homenagem a 60 diretores de cinema mortos nos últimos 12 anos e augura que o cinema propriamente dito não entre na mesma fria.
Quero apenas repetir que minha relação com a arte é diferente. Pra mim, artista tem que sofrer. Ser anão, como Lautrec, cortar orelha como Van Gogh, contrabandear armas como Rimbaud, morrer na miséria como Grosz. Cara que, como eu, ganha dinheiro com o que faz pode ser, e é, chamado de tudo, menos de artista.
*Madrugador inveterado, todo dia abro minha janela pra ver o sol surgindo no horizonte e, um pouco mais abaixo, mas não menos brilhante, correndo pela praia, Sylvio Back, o atleta que veio do frio”.
(Millôr Fernandes, Jornal do Brasil, 23/4/92)