Antes, as diferenças. Quando não houver riscos a qualquer dos atributos acima, Requião consegue ver o interesse público e atendê-lo, até mostrar um laivo de empatia pelo semelhante. Bolsonaro, jamais. É um ser empedernido, frio, sem solidariedade e empatia. Claro, tem emoções, assim como Requião tem emoções, quando se trata de uma situação que envolva os atributos comuns. Mas diferem num ponto, uma diferença fundamental: Requião é inteligente e letrado. Por isso dá ares de racionalidade a seu autoritarismo.
Se quisermos avançar, ambos são machistas em igual medida e capazes de abjetas brincadeiras sobre as mulheres (desafiado, relato algumas, que presenciei). Aqui também evoco semelhança de métodos entre ambos. Falo do método pelo qual Bolsonaro concedeu o “auxílio modess” (expressão dele) às mulheres brasileiras. Lembrando: o auxílio, consistente no fornecimento gratuito de absorventes higiênicos às mulheres carentes, foi concedido pelo presidente em 8 de março passado.
O auxílio veio em lei de outubro de 2021, projeto da deputada Marília Arraes (PT/PE), que Bolsonaro vetou com a expletiva irônica do “auxílio modess”. O Congresso, esse cartório fisiológico que carimba patifarias, manteve o veto – as mulheres ligadas ao Centrão ou não precisam do “modess” ou não precisam do auxílio (que agora exigirão, como receberam o auxílio do covid, sempre sem ter direito). Com a proximidade das eleições e mal visto pelo eleitorado feminino, Bolsonaro sentiu as dores da TPM e mudou de ideia.
Sim, Bolsonaro sentiu e descobriu a TPM, também um Transtorno Pré Lula, e decidiu tornar obrigatório o fornecimento do auxílio modess. Mandou lei para o câmara e fez o árduo esforço para aprová-la, como a deputada Marília Arraes? Não, os ditadores usam ucasses, como os czares, bandos, como os senhores feudais, e decretos, como na idade contemporânea. Ucasses, bandos e decretos dispensam o contraditório da lei e têm efeito imediato. A ação do ditador tem efeito imediato – inclusive o da demagogia.
Em suma, Bolsonaro resolveu sua TPM com o modess alheio, da deputada Marília Arraes. Para quê? Simples, para não rechear com azeitona a empada do PT. De azeitonas, milicianos e bolsonaros entendem mais que coronéis pernambucanos. As brasileiras vão extrair o oportunismo e a maldade de Jair Bolsonaro? Claro que não; irão ao cercadinho mostrar gratidão – e ele, como de hábito, fará piadas como o ‘salvador das pepecas’. Brasileiras e brasileiros são messiânicos, sempre foram.
Comecei com Roberto Requião, encerro com ele. Em 1991, eleito para suceder Jaime Lerner – sua nêmesis desde o Colégio Estadual do Paraná – descobriu o decreto do ex-governador que regulava eleições em estabelecimentos oficiais de ensino. Requião convocou a Procuradoria Geral do Estado para anular o decreto. A PGE só encontrou uma falha na decisão de Lerner: a forma; as eleições deveriam ser reguladas em lei, não em decreto. O procurador geral do Estado, Carlos Marés, aprovou a estratégia sugerida pelo procurador responsável pelo caso.
A estratégia consistia em propor ação de inconstitucionalidade no Supremo, com pedido de liminar para sustar os efeitos do decreto de Jaime Lerner. O Supremo concedeu a liminar. De acordo com a tese do processo e da liminar, o governador deveria propor à assembleia legislativa projeto de lei para as eleições nas escolas. Para encurtar a história, não foi o que aconteceu: Requião fez o que reprovara em Lerner e baixou decreto para regular as eleições. O auxílio modess de Bolsonaro é o arquétipo das eleições de Requião.
As histórias têm o mesmo fundo amoral. Em ambas dois manipularam a ordem jurídica para extrair benefícios políticos. Há uma nota de atenuação no caso de Requião, pelo qual, tirando a megalomania autoritária, não houve danos institucionais maiores (nesta situação, sem examinar o conjunto da obra do governador). No caso de Bolsonaro não há nota de atenuação, pois há de se considerar a humilhação e o sofrimento que causou às mulheres carentes; de resto, nunca há nada a atenuar em Bolsonaro.