O Barcelona alinhou Ramallets, Foncho e Gracia; Gensana, Verges e Garay; Kocsis, Luisito Suárez, Evaristo, Kubala e Czibor. O Benfica foi a campo com Costa Pereira, João e Martins; Neto, Germano e Cruz; José Augusto, Santana, José Águas, Mário Coluna e Cavém. Na frieza do papel, o Barça era bem melhor, mas dentro do campo a vitória seria portuguesa. Aos 20 do primeiro tempo, Kocsis abriu o placar. Os benfiquistas não se abalaram e empataram dez minutos após, com Águas. Um minuto depois, o mesmo Águas dá um chute despretensioso e a bola se encaminhava pela linha de fundo. Ramallets (goleiro também da seleção espanhola), nunca ninguém entendeu a razão, principalmente ele, resolve ir na bola, se ajoelha e a agarra. Quando levanta para bater o tiro de meta, faz um gesto impensado com o braço e a pelota vai parar no fundo do gol. Foi um dos maiores frangos da história da humanidade. O árbitro manda anotar gol contra de Ramallets. Em um minuto, o Benfica virava o jogo.
Segundo tempo nervoso, mas o Benfica jogava melhor, tanto que com 10 minutos o mulato moçambicano Coluna faz o três a um. O Barcelona não se entrega e vai todo para cima do time de Lisboa. Faltando 10 minutos para o jogo acabar, Czibor faz o dois a três. O jogo passa a ser um massacre do Barça contra o Benfica. Todo o banco de reservas do Benfica, inclusive Guttmann, se ajoelha e passa a rezar para Nossa Senhora de Fátima iluminar o guarda-redes Costa Pereira. A Santa Virgem faz melhor: protege a baliza do Benfica. Luisito Suárez, Evaristo e Kocsis (por duas vezes) acertam as traves do gol do Benfica. O árbitro encerra a partida e o Benfica é, depois de cinco temporadas seguidas do Real Madrid, o grande campeão da Europa. Para completar a festa o artilheiro da competição foi Águas, com onze tentos. O segundo colocado foi Evaristo, com seis. Os benfiquistas de todas as idades, que acompanhavam o jogo pelo rádio, inclusive Eusébio, na sua cama do Estádio da Luz, explodem de alegria. Era a maior conquista esportiva de todos os tempos da “terrinha”. Façanha digna de Vasco da Gama e Pedro Álvares Cabral a ser glorificada por Luís de Camões, Eça de Queiroz e Fernando Pessoa, que só não escreveram sobre o título porque já estavam mortos.
As quatro bolas na trave deram o que pensar. Um engenheiro morador em Berna, que estava no estádio, cuja história não guardou nem nome e nem sobrenome, ficou encafifado: se as traves não fossem retangulares e de madeira, ao menos uma das bolas teria batido nelas e entrado no gol. No dia seguinte, chegando na fábrica em que trabalhava, com as metragens das regras oficiais do futebol, construiu três traves (duas verticais menores e uma horizontal maior) de ferro e cilíndricas e as montou no fundo fábrica. Mandou os trabalhadores chutarem a bola nas traves. Sua teoria tinha dado certo na prática: muitas bolas batiam nas traves e entravam no gol com o novo material e a nova forma geométrica. Conseguiu um caminhão, botou as traves dentro e pegou a estrada rumo à Genebra. Chegando na cidadezinha de Nyon (na região metropolitana de Genebra), foi até a sede da UEFA e mostrou a novidade. Os cartolas da UEFA gostaram da ideia e determinaram que, doravante, nas suas competições, fossem utilizadas traves de ferro e cilíndricas. A novidade não demorou a chegar em Zurich, onde fica a sede da FIFA. Na Copa do Mundo de 1966, as traves já eram cilíndricas e de ferro, depois passaram a usar o alumínio no mundo todo.
Na volta de Berna o time do Benfica foi colocado na “carrinha” dos bombeiros e desfilou em carro aberto por toda Lisboa. O ditador António de Oliveira Salazar os esperou com muita paciência no Palácio de São Bento, onde todos haveriam de ser condecorados. Ao adentrar o Palácio, o presidente do Benfica resolveu jogar uma cartada decisiva: havia conquistado o maior título esportivo da história de Portugal, o que renderia muito prestígio ao ditador. Tinha ainda outra carta na manga: muito embora nunca tivesse admitido, corria a boca pequena em toda Lisboa, que Salazar era adepto do Benfica. Arrancaria a ordem para que Eusébio pudesse jogar nos Águias. Acaso tivesse a autorização do ditador, a Federação Portuguesa de Futebol nada poderia fazer a não ser obedecer. Quando a cerimônia se encaminhava para o final, o presidente do Benfica afastou vagarosamente o ditador da rodinha e ao pé do ouvido disse: “Excelentíssimo Senhor Presidente do Conselho de Ministros (era o cargo que António de Oliveira Salazar formalmente ocupava), necessito de uma audiência com Vossa Excelência”.
Salazar, que de bobo não tinha nada, logo percebeu a intenção do presidente do Benfica. Pegou-o pelo braço, afastou-se ainda mais das pessoas próximas e respondeu: “Senhor presidente, o pedido de Vossa Senhoria vem em boa hora. Já estou a me apoquentar com a situação do ‘negro’ de Moçambique que está em todos os jornais e rádios. Já pensei até em mandar censurar as notícias. Não fica bem, para Portugal, instituições respeitáveis como o Benfica e o Sporting estarem a trocar ofensas pelos periódicos. Traz uma intranquilidade nas ruas. Tenho notícias de que nas tascas (bares onde se servem bebidas e comidas da melhor qualidade e com muito bom preço) os adeptos do Benfica e do Sporting já estão a trocar tapas por causa do ‘negro’.
A PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado), que prendia, torturava, matava, sumia com os cadáveres e não dava satisfações para ninguém e cujos agentes eram todos treinados pela Gestapo de Hitler, já descobriu que os comunistas estão explorando o assunto, dizendo nas ruas, à sorrelfa, que Benfica e Sporting estão brigando para ver quem é o melhor traficante de escravos. Tenho que resolver o assunto com urgência. Amanhã é sexta-feira, estou com a agenda lotada de compromissos, mas venha ao Palácio às dezoito horas. Só se faça acompanhar pelo senhor presidente do Sporting, afinal não posso tomar uma decisão dessa magnitude sem ouvir as duas partes”.