Mulher de 50, muito prazer

O mundo é diferente em 2021, mas os clichês persistem; a mulher quando envelhece ainda é a avó que fica em casa esperando os netos, fazendo crochê.

Em dezembro, faço 50 anos. Cinquenta anos. Ainda me lembro de quando considerava velha uma pessoa nessa idade e agora estou chegando lá. Mas isso foi nos anos 1990, quando eu era tão esperta que usava ombreiras.

Então, não deveria ser surpresa dar de cara com situações em que as mulheres com mais de 50 são vistas como adolescentes idiotizadas, como no esquete “Responsável”, do canal Porta dos Fundos.

Eu adoro o Porta dos Fundos, gosto do humor ácido. Não me ofendi com a “piada”, ainda que não tenha sido engraçada. No entanto, vale a pena falar sobre essa ideia que gente jovem tem sobre mulheres mais velhas.

No vídeo, o personagem do comediante Fábio Porchat participa de uma vídeochamada e entrega o celular para a mãe, que não aparece em cena, se entreter enquanto o “adulto” da família trabalha.

A “mãe” tem 57 anos, mas é tratada como uma criança desprotegida que não sabe usar a internet e não percebe que atrapalha o filho muito ocupado. Além disso, só assiste a programas sensacionalistas e consome desinformação no “Zap”.

É só dar uma volta nas redes sociais para perceber que o processo de imbecilização da sociedade é democrático, tem gente tapada de todas as idades. Mas é muito mais fácil colocar mais essa conta no envelhecimento feminino.

No imaginário popular, a mulher de 50 é uma samambaia que começa a murchar, até que um dia morre. Perde a beleza, o viço, a energia. E segundo o vídeo é incapaz de acompanhar a evolução da humanidade e suas idiossincrasias.

O mundo é diferente em 2021, mas os clichês persistem. E a mulher quando envelhece ainda é a avó que fica em casa esperando os netos, fazendo crochê, com uma torta quentinha no forno. Não sai, não viaja, não se diverte, não se exercita, não bebe, não namora, não trepa. E, claro, é uma analfabeta digital e cafona. Só nos resta ser coadjuvantes da vida de maridos, filhos, netos, sobrinhos.

Completo 50 anos em dezembro. E tudo bem. Ainda tem muita coisa que pretendo fazer na vida, sou minha única prioridade e não tenho a menor intenção de amadurecer em certos aspectos. Mas sempre tem alguém que acredita que preciso de consolo —o único tipo de que gosto tem de monte na minha gaveta.

Ou um vídeo que se pretende a engraçado, mas reduz uma geração de mulheres que vem derrubando a barreira da idade ao estereótipo da “tia do Zap”.

Agradeço demais a essas mulheres que chegam aos 60 anos e que subverteram de vez a ideia de que à mulher madura só restava a aposentadoria compulsória da vida.

Obrigada aos exemplos anônimos e famosos que fincaram os pés no presente e recusam o tapinha nas costas pelo dever cumprido, de vida vivida, um carimbo de prazo de validade vencido e um bilhete para o maravilhoso mundo das mulheres invisíveis. Um abismo onde não somos mais ouvidas, vistas e temos ainda menos representatividade.

Ouço que os 50 são os novos 30 ou que não pareço ter essa idade. É quando o peso do julgamento fica palpável. A pessoa quer ser simpática, te dar uma animada, mas apenas reforça o que o mundo repete todos os dias: você está velha, como se isso fosse algo ruim.

Qualquer mulher que chega a essa década de vida já passou por um bocado de coisas para ser consumida apenas como piada sem graça.

Estou velha, obrigada. Estou velha, mas sou gata. Estou velha, mas nado quatro quilômetros no mar. Estou velha, mas transei durante essa pandemia mais do que muito garotão de quadril largo que escreve piada de mulher velha. Estou velha, mas estou muito bem viva. Estamos todas.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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