Um momento: não se trata de mulheres malhando na academia. O assunto é a discriminação contra as mulheres nas academias de letras. E não é privilégio brasileiro.
A honorável Academia Francesa, criada pelo Cardeal Richelieu, em 1635, como maneira de agrupar os intelectuais e também controlá-los, manteve o machismo por 345 anos, até que, em 1980, recebeu Marguerite Yourcenar em suas arcadas. Antes dela, a jornalista Pauline Savari teve sua candidatura vetada em 1893, com a seguinte justificativa: “As mulheres não são elegíveis, porque só se é cidadão francês quando se cumpre o recrutamento militar”. Inacreditável.
Nesse aspecto a Academia Brasileira de Letras saiu à frente, redimindo-se em 1977 de 80 anos de proibição feminina, com o ingresso de Rachel de Queiroz entre seus 40 integrantes. Mas os episódios discriminatórios foram diversos, como veremos.
Durante as tratativas para a criação da Academia Brasileira, no fim do século XIX, a escritora Júlia Lopes de Almeida, uma candente abolicionista, participou das reuniões preparatórias, mas não teve seu nome aprovado para ocupar uma das cadeiras por ser mulher – ainda que sua obra tivesse muito mais importância que a do seu marido, o poeta português Filinto de Almeida, enfim fundador da Cadeira nº 3.
A primeira candidatura feminina na ABL ocorreu em 1930, com Amélia Beviláqua, também descartada. Depois, nos anos 1950, Dinah Silveira de Queiroz tentou o ingresso mais de uma vez, embora só tenha entrado no Petit Trianon, nome do prédio da sede da entidade, em 1980.
A terceira mulher a compor a Academia foi Lygia Fagundes Telles. A seguir vieram Nélida Piñon, Zélia Gattai, Ana Maria Machado, Cleonice Berardinelli, Rosiska Darcy e Fernanda Montenegr
Entre nós, a Academia Paranaense levará para sempre uma relação de patronos exclusivamente masculina. Não que não tivéssemos nomes a serem lembrados, como Júlia da Costa, por exemplo. No entanto, nada de saias na APL – ainda que as batinas fossem prestigiadas, com a participação de bispo, cônego, monsenhor e irmão marista ao longo das décadas.
Em 1966, 30 anos depois da fundação da APL, Raul Gomes rebelou-se pela não aceitação de Helena Kolody (foto) e da também poeta Graciete Salmon nos quadros da academia. Graciete, na época já com mais de 60 anos, deixou uma extensa obra iniciada com a publicação de O que Ficou do Sonho (1947) até Ciranda (1982), além de um volume de crônicas.
Mesmo com a Academia fazendo ouvidos moucos aos apelos de Raul Gomes, ele não desistiu. Incentivou a criação da Academia Feminina de Letras do Paraná em 1970, enfeixando na nova entidade os nomes mais expressivos entre as intelectuais paranaenses. Inclusive Helena Kolody e Graciete Salmon.
Na Academia Paranaense de Letras a luta pela participação das mulheres durou até o até os anos 1990, quando houve um decisivo movimento de renovação, após a renúncia de Vasco Taborda. Helena Kolody foi a primeira a ser consultada, mas colocou um entrave: ela entraria, mas não seria a primeira.
A responsabilidade recaiu sobre a professora e escritora Pompília Lopes dos Santos, que tomou posse aos 92 anos, como sucessora do marido, Dario Nogueira dos Santos, na Cadeira nº 37 – e, após Pompília, a cadeira foi ocupada por outras três mulheres sucessivamente.
Helena Kolody tomou posse seis meses mais tarde. Em seguida, entraram Chloris Casagrande Justen, Adélia Maria Woellner, Hellê Vellozo Fernandes, Leonilda Justus, Flora Munhoz da Clotilde Germiniani, Cecilia Vieira Helm, Maria José Justino, Marta Morais da Costa, Luci Collin, Etel Frota e Liana de Camargo Leão, que tomará posse na próxima semana.
A autora, editora e diretora do Solar do Rosário, Regina Casillo, é uma das candidatas à vaga aberta pelo falecimento de Ário Taborda Dergint, na Cadeira nº 9. A eleição vai ocorrer no próximo mês.
Elas engrandecem as academias de letras por muitos motivos, além da odiosa discriminação que haveria caso continuassem a não ser aceitas. Emprestam seu talento, saber e determinação às reuniões, representam as academias com muita dignidade e enriquecem as reuniões com sua animação.
Como afirma com frequência o escritor Deonísio da Silva, membro honorário da APL, “a mulher é a melhor parte do ser humano”. Não acho que pairem dúvidas quanto a isso, mas os homens relutaram séculos para aceitar a graça feminina nas academias que criavam – sem saber o quanto de insensatez e estultice havia naquela discriminação.