Na moldura

Foto de Caroline Bittencourt.
Vocês sabem: Nina Becker não é exatamente uma estreante. Afinal, ela faz parte da bela ala feminina da supergrupo de carnaval que é a Orquestra Imperial. Além dos incontáveis bailes que a Orquestra produziu no Rio nos últimos anos e do bom “Carnaval Só o Ano que Vem”, que o grupo soltou em 2007, Nina já havia lançado também “Superluxo”, um EP solo com quatro faixas. Mesmo assim, podemos ver “Azul” e “Vermelho”, os dois discos que Nina lançou este ano, como o primeiro projeto de fato da cantora em voo solo. “Superluxo” foi um (ótimo) ensaio.
Não é todo dia que se vê uma artista lançar não apenas um disco de estreia, mas dois. E só por isso “Azul” e “Vermelho” já mereciam uma audição cuidadosa. Mas há outros melhores motivos. A ideia básica de Nina era de que “Azul” fosse pautado por músicas e arranjos mais introspectivos, quase silenciosos, enquanto que “Vermelho” fosse um disco mais quente, como a cor sugere. Na verdade, os discos não se diferenciam tanto quanto os nomes fazem sugerir. Ou melhor, as diferenças são, sim, perceptíveis, mas não limitam ou pautam os discos. Ponto pra ela.
Enquanto “Azul” demorou cerca de três anos para ser finalizado, “Vermelho” foi gravado em 4 dias, ao vivo com o Do Amor, banda de apoio dos dois discos. Aliás, me perdoem o trocadilho, mas ter o Do Amor como banda é um superluxo. Em grande parte, o mérito de “Azul” e “Vermelho” vem dos arranjos excepcionais e da produção compartilhada entre a própria Nina e Carlos Eduardo Miranda e Maurício Tagliari. O instrumental não vacila um só instante ao longo de “Azul” e “Vermelho”, e até mesmo nas (poucas) canções menos interessantes mantêm um nível alto. Mesmo quem já esperava um bom trabalho se surpreenderá.
Quem acompanhou Nina Becker nos shows sabe da sua predileção pelo primeiro disco solo da Rita Lee, Build Up. Inclusive, a cantora já fez show tocando interamente esse que é um dos melhores discos que o Brasil já viu. Assim como “Build Up”, cujos arranjos foram feitos basicamente por Arnaldo Baptista, “Azul” e “Vermelho” também têm arranjos memoráveis. A influência do disco é clara, principalmente nas guitarras mais limpas de músicas como “Lágrimas Negras” (do repertório de Gal, regravada também por Otto e Julieta Venegas, em 2009), por exemplo. Mas, se há algo em que os discos de Nina pecam, é na falta de uma quebra maior de ritmo, de um barulho um pouco mais desconcertante. Para o disco que se pretendia mais quente, isso é um pouco decepcionante. Ainda assim, os dois discos de Nina se mantém à altura dos ótimos shows que a cantora e o Do Amor fizeram nos últimos anos.
Seria mentira dizer que não esperávamos que Nina Becker fizesse dois bons álbuns. Não há surpresa, exatamente. O que existe é uma espécie de satisfação, ainda que nem tudo seja perfeito. Não vou começar a elencar as melhores faixas, porque, definitivamente, tanto “Azul” quanto “Vermelho” são para serem ouvidos do início ao fim. Mas com certo cuidado, daquele jeito que os bons discos de antigamente ainda pedem.
 (“Azul” e “Vermelho”, Nina Becker. 20 faixas com produção de Nina Becker, Maurício Tagliari e Carlos Eduardo Miranda. Lançado em agosto de 2010 por Núcleo Contemporâneo/YB Music)

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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