À falta dos Beatles, Godard fez um filme com os Rolling Stones, odiando cada minuto do trabalho
Escrevi domingo passado (16) que Warren Beatty, produtor e astro do primeiro clássico moderno da violência no cinema, “Uma Rajada de Balas” (“Bonnie & Clyde”), de 1967, pensou inicialmente em contratar Jean-Luc Godard para dirigir o filme. A ideia hoje parece pândega, mas, e se tivesse se concretizado? Com Godard na direção, Warren e Faye Dunaway, no papel do casal de gângsteres, passariam duas horas na cama discutindo as impressões de Tocqueville sobre a América, em vez de assaltar bancos, dirigir como loucos pelas estradas e morrer numa emboscada com 130 tiros.
Por sorte, o próprio Jean-Luc achou a ideia insana, donde o filme foi para as mãos de Arthur Penn e se tornou um marco da nova Hollywood. Só que, por causa de “Alphaville” e “Pierrot Le Fou”, o cinema estava apaixonado por Godard e não parava de fazer-lhe propostas tentadoras.
Em 1968, dois produtores ofereceram-lhe rodar um filme com os Beatles. Godard e os Beatles! Haveria combinação mais esdrúxula? Não, nada era esdrúxulo em 1968. Godard topou, assinou o contrato, embolsou um adiantamento e foi a Londres para conversar com John Lennon e Paul McCartney. Mas a reunião foi um fiasco. Ao contrário de Paul, que se empolgou com o projeto, John olhou para o teto o tempo todo, não disse palavra e, súbito, levantou-se e saiu sem se despedir. Não haveria o filme.
Godard, no fundo, sentiu-se aliviado. Acabara de estourar em Paris a histórica revolta dos estudantes –o “maio de 68”– e ele queria estar lá, para filmar os embates contra a polícia. Mas estava devendo uma nota aos produtores, e estes, à falta dos Beatles, convenceram os Rolling Stones a se deixarem filmar por Godard.
Godard teve de se submeter. E, assim, num estúdio londrino e odiando cada minuto, fez com eles “One Plus One” (“Simpathy for the Devil”), filme que você provavelmente nunca viu e não perdeu nada com isso.