Em uma escola primária, varais estirados ao longo das paredes demonstram uma força bruta da sensibilidade. Folhas estampadas com desenhos comunicam, de forma inequívoca, o que cada autor sente e deseja dizer. Claros e diretos, os rabiscos mostram integrantes da família, a casa, bichos e super heróis. A narrativa é simples e os temas se repetem em várias folhas penduradas ao redor da classe, em uma espécie de círculo mágico que resguarda os pequeninos. É impressionante como o desenho, a marca da palma da mão, tem a capacidade de carregar tanta informação em um instrumento tão primário e rudimentar. Foi o mais importante meio de transmissão de conhecimento, quando foi possível contar aos outros, mesmo depois da morte, sobre o cotidiano e o que importava.
O nascimento da linguagem. Tanto para ancestrais primatas quanto para contemporâneas crianças, o desenho é um dos primeiros meios de descarrego mental, onde ideias abstratas se cristalizam e informam aos outros o que vozes e imagens mentais sussurram na cabeça. Mais tarde, padronizadas conforme a região e família em que nasceu – em um curioso determinismo geográfico – aprende-se a decodificar em símbolos. A fala e a escrita. Mas símbolos ainda são desenhos. Antes de se aprender a linguagem particular dos idiomas, o desenho é universal, como a música ou a matemática. Ele exprime de forma imediata – e é compreensível a todos. Na mesma sala, cercada por desenhos e pinturas de crianças não alfabetizadas, é nítida a compreensão de que, em tenra idade, sabemos combinar formas e cores como os mestres artistas plásticos.
Em especial, os impressionistas. O documentário de Werner Herzog – A Caverna dos Sonhos Esquecidos, 2010 – explora uma magnífica caverna encontrada por acaso em 1994, no sudoeste da França, com suas paredes cobertas com preciosas pinturas rupestres de 30 mil anos de idade. Além da qualidade da preservação dos registros, que dão a impressão de que os autores apenas saíram para jantar e logo estarão de volta, é perceptível uma inquietante motivação artística em cada um dos desenhos eternamente impressos naquelas paredes.
É emocionante olhar para o passado de nossa curta história humana e verificar que aquilo que não nos cabe, a busca de significação mais profunda que a própria vida, sempre perseguiu nossa espécie. A expressão através do desenho e da pintura é um destes caminhos essenciais para percorrer essa busca. É universal, atemporal e produz obras de deleite. É uma pena nascermos com este dom para esmagá-lo sob o amadurecimento utilitarista da vida contemporânea. Para compreender melhor, desenhe. Yuri Vasconcelos Silva