Não faça isso!

Com esse furor aquisitivo de livros de auto-ajuda, pretendo escrever um livro para ficar milionário na primeira sessão de autógrafos. Só estou em dúvida quanto ao título. “Não faça isso!” – seria uma opção mais comportada, para todas as famílias. A outra causaria impacto nas livrarias: “Vai dar merda!”.

A indústria da auto-ajuda se tornou tão poderosa que até as principais revistas de circulação nacional se renderam ao mercado editorial da comiseração humana. A revista Veja, que até um tempo atrás acompanhava o movimento de vendas nas livrarias somente entre obras de ficção e não-ficção, agora tem destacado o comércio de auto-ajuda e esoterismo. Na edição desta semana, temos os seguintes títulos entre os campeões de vendas:
“O segredo”, “A lei da atração”, “O monge e o executivo”, “Quem somos nós?”, “Casais inteligentes enriquecem juntos”, “Transformando suor em ouro”, “Os Segredos da mente milionária”, “Pais brilhantes, professores fascinantes”, “Peça e será atendido” e “Nunca desista de seus sonhos”.

Entre esses, “Casais inteligentes enriquecem juntos”, o best seller de Gustavo Cerbasi, está na 70.ª edição e já vendeu 340 mil exemplares no Brasil. Agora será traduzido para o espanhol, tendo como alvo o mercado latino.

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“Não faça isso!”, ou “Vai dar merda!” não teria como alvo os já fracassados. O alvo seriam os leitores destas duas obras que também se encontram entre os mais vendidos: “Transformando suor em ouro” e “Os segredos da mente milionária”. Ou seja, os candidatos ao fracasso. Aqueles ingênuos empreendedores que, num país assim forrado de impostos, pretendem dar o primeiro passo rumo ao insucesso, frustração, malogro, o revés.

Outro público leitor seria aquele formado por políticos e administradores públicos. Especialmente prefeitos e governadores, até o próprio presidente da República. Agora mesmo temos um caso exemplar para constar num dos capítulos do livro: a briga pelo controle da Sanepar, que envolve o governador Roberto Requião e o grupo privado Consórcio Dominó. Ao assumir o governo em 2003, Requião rompeu unilateralmente o contrato que garantia o controle administrativo da empresa estatal pelo consórcio privado. Se na época o meu livro já estivesse nas livrarias – “Não faça isso!”, ou “Vai dar Merda!hoje o governador não estaria sofrendo tantos fracassos e reveses jurídicos.

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“Rabo e conselho só se deve dar a quem pede”, dizia Stanislaw Ponte Preta. Não pretendo com o meu livro dar conselho, uma mercadoria que contrariou as leis do mercado e hoje está valendo uma fortuna nas mãos dos editores de auto-ajuda. Para agregar valor, será um livro com histórias exemplares, como aquela do petista que teve a brilhante idéia de transportar recursos não-contabilizados na cueca.

Pré-requisito para escrever esse livro eu já tenho: nunca li um livro de auto-ajuda. Em compensação, já sofri fracassos retumbantes. O primeiro deles foi com uma ambiciosa plantação de tomates no colégio agrícola, quando a minha mente milionária transformou o suor em dívidas. Com apenas 15 anos, não conhecia suficientemente o poder devastador de um
determinado defensivo agrícola.

O meu próximo fracasso retumbante pode ser esse livro de auto-ajuda. Se alguém porventura tiver alguma dúvida, aceito o alerta:
“Não faça isso”, ou “Vai dar merda!”.

Dante Mendonça (26/10/2007) O Estado do Paraná.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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