Bolsonaro virou marionete nas mãos do Centrão, pegou a chave do cofre do posto Ipiranga, agora transformado em borracharia mequetrefe de beira de estrada, e mergulhará o país numa crise econômica sem precedentes ao furar o teto de gastos para bancar o Auxílio Brasil em 2022 – uma decisão eleitoreira porque ele sabe que, com a ajuda de R$ 400 por mês, estará comprando votos, a única chance que tem para recuperar os pontos perdidos nas últimas pesquisas e tentar a reeleição
Vamos direto ao ponto: que estado democrático de direito é esse, tão alardeado por nossas autoridades, que admite uma enorme e cruel variedade de desigualdades sociais, da distribuição de renda à distinção da cor da pele, do prato de comida ao mercado de trabalho, do cuidado com a saúde ao acesso à cultura? É como se tivéssemos dois Brasis a bordo de um Titanic ‒ um, o Brasil elitista, pequeno, aboletado, com colete e toda a segurança, no convés do navio que submerge carregando no porão o outro Brasil, gigante, porém totalmente indefeso, entregue que está a toda a sorte de degradação; não há bote salva-vidas para essa enorme massa considerada desprezível pela turma do convés.
O Titanic tupiniquim está afundando, e a culpa não é só de Bolsonaro. É de todos nós. Primeiro, porque, mesmo sabendo de quem se tratava, o colocamos no comando. Segundo, porque, apesar de todas as barbaridades que cometeu, o mantivemos no cargo. E finalmente, porque, apesar da consciência sobre todos os seus crimes, não tivemos – e continuamos a não ter – força suficiente para tirá-lo de lá. Pior: deixamos aflorar, intoxicados pelo regime dele, uma onda de violência, ódio e intolerância numa plebe rude, insensível às advertências de que o navio já estava à deriva, cheio de ratos.
Quinta-feira, Estação do Anhangabaú, Centro de São Paulo. Uma criança chora, num carrinho de bebê, ao ver o pai, negro, sendo agredido por dois seguranças, brancos, do metrô. O homem teria tentado impedir uma ação de fiscalização contra o comércio ambulante. Apesar do choro da criança e dos apelos de populares, os seguranças aplicam nele um “mata-leão”, golpe condenável que pode levar à morte.
Sexta-feira, Curitiba, a cena chocante se repete, agora com uma mulher branca. Um grupo de policiais militares invade uma casa, prende um homem e o arrasta pela rua. A mulher que gravava a cena protesta contra a violência e pelo fato de os policiais não usarem máscara. É imobilizada por um deles, que comprime o rosto dela contra o chão, usando o joelho, e ainda a agride na cara com a boina do uniforme.
Quarta-feira, Câmara Municipal de Porto Alegre. Um grupo de bolsonaristas invade o plenário da casa para protestar contra o passaporte vacinal, o comprovante de vacinação tornado obrigatório para acesso a eventos que possam provocar aglomerações e representar risco de contágio. Vereadores foram ofendidos e agredidos, e um dos negacionistas, uma mulher, ostentava acintosamente um cartaz com a suástica nazista. O grupo foi expulso da Câmara sob vaias e o coro “Fascistas, não passarão”.
Terça-feira, Tribunal de Justiça de São Paulo. O Ministério Público denuncia uma mulher por quatro crimes que ela teria cometido durante uma ação policial em Parelheiros: infração de medida sanitária preventiva, desacato, resistência e lesão corporal contra um dos policiais envolvidos. Sabem quem é essa mulher? A comerciante negra, de 51 anos, que foi agredida e pisoteada por um PM em maio do ano passado.
E durante toda a semana, a primeira mulher negra e do Norte do país a ser eleita para presidir a UNE foi vítima de ameaças e ataques racistas e machistas. Bruna Brelaz foi chamada de cadela, safada, fascista e traidora, entre outras ofensas, por ter dialogado com representantes da direita pela construção de uma frente ampla que viabilize o impeachment de Jair Bolsonaro. A presidente da UNE reagiu: “Não tem misoginia, racismo e discurso de ódio que nos silencie”. E recebeu o apoio de vários políticos da esquerda.
Em jogo, a corrida presidencial, que está levando o presidente da República ao desespero e o Brasil a naufragar. Bolsonaro virou marionete nas mãos do Centrão, pegou a chave do cofre do posto Ipiranga, agora transformado em borracharia mequetrefe de beira de estrada, e mergulhará o país numa crise econômica sem precedentes ao furar o teto de gastos para bancar o Auxílio Brasil em 2022 – uma decisão eleitoreira porque ele sabe que, com a ajuda de R$ 400 por mês, estará comprando votos, a única chance que tem para recuperar os pontos perdidos nas últimas pesquisas e tentar a reeleição.
E não é só isso. O homem insiste nas fake news. Agora, por exemplo, anda dizendo que a vacina contra a Covid-19 provoca Aids. Mais uma do presidente aloprado e irresponsável que, segundo seu filho mais velho, o 01 das “rachadinhas”, provavelmente teria reagido com uma gargalhada quando soube que a CPI das Pandemia pedira o indiciamento dele, dos filhos, de ministros e ex-ministros, políticos, médicos e funcionários públicos, pelas ações e omissões no combate à pandemia que resultaram na morte de mais de 600 mil brasileiros.
Que o trabalho da CPI não seja desmoralizado nem morra nas mãos do procurador-amigo-geral da República. E que todos os responsáveis sejam punidos exemplarmente. Do contrário, da nossa pobre e frágil democracia e do falado estado de direito, restarão apenas os ossos, como as boias inúteis da nau dos afogados.
Para completar: sabem os acervos preciosos que mostram como foram planejadas as obras de Lúcio Costa e Paulo Mendes da Rocha? Pois é. Estão em Portugal. O governo brasileiro não se interessou por elas. Talvez nem saiba quem foram eles.