O tal do “mercado” estressou-se provocando a debandada de quatro integrantes da equipe de “frentistas”, abismados, os técnicos, com a desprezo pela responsabilidade fiscal. Esta, valor caro para qualquer aluno do curso básico de macroeconomia, estes, os estudantes, apreendem-na fundamental para uma economia minimamente organizada
Sabemos que nosso país não é para principiantes. Entretanto, mesmo que alertas, somos com frequência surpreendidos por acontecimentos na política que nos fazem aprendizes inexperientes. O último decêndio de outubro nos brindou com revelações até então insuspeitadas.
O ministro Paulo Guedes deu a largada na temporada dos diminutivos classificando de “nervosinho” esta entidade meio esotérica, o “mercado”. Ora a declaração não faz jus ao seu passado “chicaguiano”. Afinal, depois que a principal liderança da área econômica assume a condição de “fura-teto”, tantas vezes por ele criticada, queria o quê? Calmaria?
Guedes sucumbiu à dupla pressão: da área política do governo para viabilizar o auxílio Brasil de R$ 400, para mais ou para menos, viabilizador da presença do presidente no segundo turno em 2022; do Centrão para garantir a integridade das famosas emendas parlamentares, adubo e irrigação de votos.
O waiver (licença) é licencioso porque, sob o manto cínico da proteção aos frágeis, pedala, muda as regras de crescimento das despesas, desorganiza o orçamento, bagunça e escava o fundo do poço das contas públicas em manobras típicas do pior populismo bolsonarista, claramente eleitoreiro.
O tal do “mercado” estressou-se provocando a debandada de quatro integrantes da equipe de “frentistas”, abismados, os técnicos, com a desprezo pela responsabilidade fiscal. Esta, valor caro para qualquer aluno do curso básico de macroeconomia, estes, os estudantes, apreendem-na fundamental para uma economia minimamente organizada. André Esteves, do BTG Pactual, para muitos águia, para muitos outros abutre, interpretou, em recente palestra (disponível no twitter), que o drama não está nos R$ 400 do Auxílio Brasil. Está sim na “dinâmica” que possa surgir, em sequência, da cabeça do “malucão”. Obrigará o ministro a treinar novas piruetas semelhantes a do corretor do teto de gastos. E tudo poderá, digo eu, qualquer bizarrice, desde que focada no projeto de reeleição.
Botar dinheiro na mão dos desassistidos é bom negócio para o país, desde o Bolsa Escola de FHC aperfeiçoado por Lula no Bolsa Família. O que não pode, muito menos deve, é fazer política social e colher inflação “direto e na veia” (Edmar Bacha). Dá e toma com outra mão. Alternativa há, basta, dentre outras opções, extinguir emendas inúteis, suprimir obrinhas caça-votos (ôpa, olha o diminutivo), limitar o fundo eleitoral, eliminar subsídios de baixa produtividade, consolidar e selecionar programas de transferências, reduzir (necessário que se diga) salários do setor público e… reformas, reformas e reformas… continuar por elas clamando é dever.
As previsões sombrias para o crescimento do país no próximo ano originaram o segundo diminutivo enunciado por Guedes – “conversinha”. Nada disso, papo reto! As principais consultorias, economistas respeitados e as equipes de analistas dos grandes bancos acautelam clientes e, por extensão, nós, o povaréu. Haverá, na melhor das hipóteses, crescimento pífio (2%), na pior (0%) ou mesmo negativo, com inflação acima da meta e do intervalo de tolerância.
O cenário se descortina; a recessão em 2022 parece já contratada. A elevação necessária da taxa de juros (1,5% na reunião de 27/10) para 7,75%, 0,25% acima de outubro de 2012, resulta da incerteza, característica maior de um governo dissonante. Se confirmada, e é mais que possível, é provável, Selic acima de 10% no ano próximo afugenta investidores, deprecia o real, alça custos e ao fim garante a manutenção do desemprego em patamares de dois dígitos.
O ministro que afundava, tragado pelas embrulhadas do governo distópico, aliviado, anunciou-se salvo pelo abraço do ex-capitão, ex-deputado de inúmeros mandatos inúteis. Abraço de afogado costuma ser fatal. Vem aí o próximo outubro.
O cenário é ruinzinho (de novo o diminutivo): levantar âncoras fiscais, marcha forçada nos gastos públicos, pedalar, calotear e violar regras, contratos e decisões judiciais, tudo que corrói as sapatas onde se assentam as crenças dos capitais. Resulta dólar em ascensão, custos também, particularmente dos produtos à moeda americana vinculados. O risco Brasil e os juros presentes e futuros em escalada; fica para os investidores a percepção da troca da prática liberal por ações eleitoreiras, preservado o discurso fajuto e falso de responsabilidade social com austeridade fiscal.
Na língua portuguesa, o diminutivo é do gosto do brasileiro. Na televisão por exemplo, um problema no áudio ou na imagem é sempre um probleminha. O adjetivo em geral expressa tamanho reduzido. Seu uso requer pouca ciência, porém muita sensibilidade. Além de exprimir pequenez, pode depreciar, ironizar ou mesmo acariciar.
O tosco-presidente inaugurou um caráter de maldade ainda desconhecido no seu emprego. Classificando a Covid como “resfriadinho” ou “gripezinha”, elaborou com eficácia seu contributo para as mais de 600 mil mortes e sobreviventes sequelados. Agiu contra o lockdown, incentivou a imunidade de rebanho, mito-propaganda difundiu os fármacos ineficazes, desincentivou o uso de máscaras, estimulou aglomerações e incitou a população a não se vacinar, felizmente com pouquíssimo sucesso. A moçada parece, mas não é trouxa.
Para Bolsonaro, não há fastio em perpetrar o mal. Obrou péssimo, em live recente, com performance diabólica, ao insinuar associação maldita e mentirosa, vacina-HIV.
Espanta-nos, mais que tudo, os atoleimados seguidores dessa liderança infame. Um bando de parvos. Não se vacinam, criticam as medidas rigorosas de distanciamento social, desdenham das máscaras e, sob o manto de um ilegítimo argumento de liberdade, como lhes falta integridade mental, ameaçam nossa saúde física.
PS: O personagem é realmente insuperável. “A Petrobras é um problema. Deve dar lucro… mas não muito.” Declaração insólita. E ainda, deambulando isolado, sem diálogo e sem destino no jantar do G20, fez o Brasil triste e deprimido.