No tempo da ‘Última Hora’

Em meio à pandemia, prisioneiro em casa, neste Brasil desgovernado, lembrei-me com saudade de ‘Última Hora’. Talvez as novas gerações não saibam, mas houve nesta Terra dos Pinheirais, em meados do século passado, um jornal que foi uma das maiores escolas de jornalismo do Paraná, da qual orgulhosamente fui aluno. Refiro-me ao ‘Última Hora’, de Samuel Wainer, sediado na Galeria Asa da Praça Osório, com entrada pela Voluntários da Pátria.

Nos primórdios da década de 60, eu era um moleque de vinte anos e assinava uma coluna sobre rádio e TV na edição paranaense do vespertino que, como todo vespertino que se prezava, circulava de manhã. Do alto de minha imaturidade, sob o cognome de Epaminondas Castelo Branco, disparava críticas muitas vezes inclementes contra uma televisão recém nascida, cercada de defeitos, mas repleta de pioneirismo e de uma imensa vontade de acertar.

Mais importante do que isso eram os colegas com quem eu convivia naquela redação comprimida no mezanino da Rua Voluntários da Pátria. Não sei se me lembrarei de todos para citar, mas tinha Mussa José Assis, Aramis Millarch, Walmor Marcellino, Adherbal Fortes de Sá Júnior, Luiz Geraldo Mazza, Sylvio Back, Jairo Regis, Michel Khoury, Edésio Passos, Maurício Fruet, Cícero Cattani, Celina Luz, Naim Libos, Alenir Dutra, Carlos Augusto Cavalcanti de Albuquerque, Clóvis de Souza, J. Kalkbrenner Filho, Milton Ivan Heller, Altair Astor, Milton Cavalcanti, Francisco Camargo, Walmor Weiss, Mauri Furtado, Mauro Ticianelli, Sérgio de Almeida, Miecislau Surek, Jalvi Ferreira, Altamir Freitas, Francisco Bettega Neto, Lascir Costa, Maurício Távora, Renato Schaitza, Nelson Comel, Ralf de Oliveira, Carlos Eduardo Fleury, Vinícius Coelho, Edson Jansen e o atual digitador. Segundo página publicitária, “Esta é a equipe que faz o melhor jornal do Paraná”. E, sem nenhuma modéstia: “São jornalistas altamente capacitados que ÚLTIMA HORA reuniu em Curitiba para noticiar, interpretar e comentar os fatos, numa cobertura de 24 horas diárias. É evidente que eles não estão sozinhos. Há outras equipes nas três cidades-chaves do Estado: Londrina, Ponta Grossa e Paranaguá. Há correspondentes em todo o Interior. E há a Rede Nacional-UH”.

Não lembro quem dirigia a sucursal de Ponta Grossa, mas a de Londrina fora dirigida por Carlos Eduardo Freury, depois transferido para Curitiba para suceder Ary de Carvalho. A de Paranaguá era comandada por Miguel Salomão, que depois seria secretário da Fazenda de Jaime Lerner no governo do Estado.

A peça promocional, como toda peça promocional, era tendenciosa, não guardava isenção. Mas continha muito de verdade. UH era, efetivamente, um jornal dinâmico, bem sortido, com moderna diagramação. Ia da política ao crime, passando pela sociedade, pela cultura e pelo esporte. Era escrito em Curitiba e montado e impresso em São Paulo, mas chegava às bancas paranaenses perto das 9 h da manhã, praticamente junto com os matutinos curitibanos. As edições tinham dez páginas, com tiragens diárias médias de 30 mil exemplares.

Em uma época sem internet, sem fax ou outros meios de comunicação à distância, além do telégrafo, do rádio, do teletipo e do telefone, o material noticioso da UH Paraná era transmitido a São Paulo, por telefone, palavra por palavra. As matérias que podiam ser antecipadas, seguiam via rodoviária, por caminhão. E aí se revelava a estratégia da circulação do jornal.

Uma caminhonete saía no final da noite de São Paulo com os exemplares impressos e empacotados. Outra caminhonete saía de Curitiba, no mesmo horário, com o material original escrito e fotografias. Em Registro (SP), os veículos trocavam de motoristas. O que saíra da capital paulista embarcava na caminhonete de Curitiba e voltava com ela para São Paulo; o outro, que saíra de Curitiba voltava para casa com o veículo despachado de São Paulo. Coisa de louco: um jornal local, com cobertura nacional, impresso em São Paulo. Como a estratégia se repetia em outras capitais, como Rio, Brasília, Porto Alegre e Recife, tinha-se um jornal nacional composto por várias edições regionais. Coisa da cabeça de Samuel Wainer, um jornalista acima de tudo.

A UH Paraná viveu de 1959 a 1964, calada pela ditadura militar. Ainda duraria alguns anos em São Paulo e Rio de Janeiro, mas já não era mais aquela. Em Porto Alegre, adquirida por Ary de Carvalho, que a dirigia, virou Zero Hora.

Infelizmente, a grande maioria dos acima arrolados já embarcaram para os “pastos celestiais”, como dizem os pele-vermelhas americanos. Mas pelo menos uma dúzia ainda se encontra entre nós, à espera de uma merecida homenagem.

De vez em quando, os sobreviventes se reuniam em uma churrascada amiga. Uma delas foi promovida pelo Nelson Comel, na ‘mansão’ dele no alto da Rua Carlos de Carvalho. A foto que ilustra a presente matéria foi tirada na ocasião.

Mussa José Assis pretendia escrever a história da ‘Última Hora’. Walmor Marcellino sonhava reunir em um volume artigos da equipe UH sobre o jornal. Infelizmente, ficaram na intenção. Daí o presente texto, que vale ao menos como registro.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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