Ruy Castro – Folha de São Paulo
Estava tomando meu coco no quiosque do Arpoador quando uma voz feminina gritou atrás de mim: “Godard! Aqui! Vem!”. Em seguida, outro grito: “Godard! Vem, querido!”. Fiquei pasmo. Com que então Jean-Luc Godard, o grande cineasta francês da nouvelle vague nos anos 60 e diretor de “Acossado” e “Pierrot le Fou”, estava no Rio! E em Ipanema, talvez do outro lado da rua, sendo chamado por sua anfitriã! Virei-me fui grande fã de Godard e esperei ver passar o homem magro, de óculos escuros e barba por fazer.
Mas, que nada. Quem passou correndo, salivando e de língua de fora, foi um poodle branco que se atirou nos braços da mulher, a qual já o esperava com um coco aberto para ele tomar sua água. Ele é que era o Godard. Fiquei decepcionado. É no que dá tomar emprestado o nome de alguém que existe.
Uma amiga minha ganhou uma gata de sua psicanalista e teve a ideia de dar à bichinha o nome da própria psicanalista —Elizabeth. Com isso, as confusões eram inevitáveis quando contava que Elizabeth dormia com ela, que estava havia dias sem ver Elizabeth ou que Elizabeth estava com diarreia —não se sabia se Elizabeth era a gata ou a psicanalista.
Mas nada mais constrangedor do que eu próprio experimentei ao morar em São Paulo nosanos 80. Tinha um espetacular gato, daqueles preto e branco, chamado —o nome, dado em filhote, não lhe fazia justiça em adulto— Bunda de Pano. Ou, simplesmente, Bunda. Era o senhor dos telhados do Sumarezinho, onde semeou ninhadas entre as gatas do pedaço, para isso botando incontáveis rivais para correr. Mas, sentindo-o mais velho, decidi que ele não deveria passar mais a noite na rua.
Daí, todo fim de tarde, chegava à janela dos fundos e gritava: “Bunda! Bunda!”. E custei a entender por que os vizinhos começaram a me olhar esquisito.