A Semana de Arte Moderna, que tanto a combateu, não levou nem dez anos para aderir alegremente a ela
Ouço dizer que, em fevereiro, a Academia Brasileira de Letras fará uma homenagem aos cem anos da Semana de Arte Moderna. É justo. Nos últimos meses, a data tem sido festejada por todos os canais —imprensa, livro, rádio, TV, museu, universidade— e só falta entrar na programação do Beto Carrero World. A adesão da Academia às comemorações, no entanto, é especial. Afinal, ela foi um dos alvos a serem destruídos pela Semana, juntamente com a métrica, o soneto e a colocação dos pronomes. Sem o fim disso, diziam, o Brasil continuaria no atraso.
Oswald de Andrade e Menotti del Picchia faziam comícios contra “os mamutes literários, os megatérios da poesia, as renas da crítica”. Era preciso “descoelhonetizar a literatura”. Castro Alves era “o batateiro épico da língua”. A Academia era um “museu arqueológico” e seus membros, os “patriarcas do obsoleto”.
Culminou em 1924, com o discurso de Graça Aranha em que, do perplexo púlpito da Academia e para delírio dos modernistas na plateia, ele bradou: “Morra a Academia!”. Graça era famoso e só aí, segundo Carlos Drummond de Andrade, o Brasil ficou sabendo que tinha havido uma Semana de Arte Moderna.
Bem, cem anos depois, como se explica que a Academia celebre a Semana que tanto a combateu? Foi a Academia que se modernizou ou a Semana que se domesticou?
Nem uma coisa nem outra. A Academia continua onde sempre esteve. Os modernistas é que não esperaram nem dez anos para aderir alegremente a ela. Em 1930, Guilherme de Almeida foi o primeiro a vestir o fardão. Seguiram-se, em rápida sucessão, Menotti del Picchia, Candido Motta Filho, Ribeiro Couto, Manuel Bandeira, Cassiano Ricardo e Alceu Amoroso Lima. Em 1927, o próprio Oswald de Andrade submeteu seu romance “A Estrela de Absinto” ao prêmio da Academia. Ganhou menção honrosa, votada por… Coelho Netto.
Sorry, turma, mas foi assim. Agora é esperar pelo Beto Carrero.