Novo ABC do MEC

Paulo Freire criou um método infalível para alfabetizar adultos: expulsou das cartilhas nordestinas o Ivo viu a Eva e o Eva viu a uva, e introduziu nelas o óbvio – o vocabulário do habitat daqueles alunos. Cartilha da terra virou instantânea referência mundial, adotado por trocentos países. E o mestre é até hoje admirado e reverenciado onde exista civilização. Menos no Brasil, onde Paulo Freire foi apagado dos livros e da lousa pela estupidez desse governo que, antes de ser de extrema direita, é de extrema burrice.

Com seu gesto de arminha na mão e slogan pátria armada Brasil na boca, Bolsonaro faz descarada apologia da violência. E nisso é idolatrado, salve, salve, pelo exército, pelas polícias e milícias. E haja munição. Tanta bala à disposição de quem queira matar (com farda ou sem farda) que um grupo de soldados assassinou o músico carioca Evaldo dos Santos Rosa com 80 tiros.  No carro atingido pelos balaços, a família só escapou porque atirador de elite tem mira precisa. Mesmo tipo de pontaria que matou Marielle Franco e seu motorista, e tantos outros mortos pela precisão infalível.

Agora o MEC, o órgão com o maior rodízio de ministros nomeados e ministros demitidos dada a incompetência reinante na área, já tem tudo pra adaptar o método do mestre Paulo Freire aos novos e truculentos tempos. Saem a fauna e a flora da cartilha da terra e entra um ABC beligerante: A de arma, B de bala, C de chacina. O leitor pode seguir por si mesmo até o Z, o que não falta é palavreado mortal. E a matemática  também teria essa inspiração engatilhada: adição de cadáveres, subtração de provas, multiplicação de impunes, divisão da opinião pública (há quem condene e há quem aprove as matanças).

Tal cartilha didática, de temática sustentada por fuzis, metralhadoras, pistolas, revólveres e outros armamentos de uso exclusivo das forças desalmadas, tem até chances de ser adotada pela Escola Sem Partido. Essa aberração que ameaça o ensino público é bem capaz de prover livros em que o bê-a-bá seja assim soletrado. Provavelmente os ensinamentos soarão ao som de tiroteios ao redor das escolas.

E tudo indica que o matraquear das armas veio para ficar, que haverá paióis em cada prédio escolar para abastecer soldados e polícias hostis à educação. Se o presidente troglodita debocha do aprendizado e do conhecimento, quem irá desarmar pelotões e batalhões a serviço dele?

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
Esta entrada foi publicada em fraga e marcada com a tag , , . Adicione o link permanente aos seus favoritos.
Compartilhe Facebook Twitter

Deixe um comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.