Era o amanhecer de 8 de agosto de 1444, numa pequena região da região de Algarve, sul de Portugal. Os moradores surpreendidos com a notícia: 235 homens, mulheres e crianças – todos escravos, seriam arrematados em leilão (GOMES, Laurentino. Escravidão I).
Em 13 de setembro de 1817, uma família de Paranaguá iria viajar de navio. Na equipagem de Bergantin Manoel Imperador, viajariam escravos de Manoel Antônio Pereira: “Benedito, Cabra, estatura baixa, rosto redondo, Benedito, Criolo, estatura ordinária, rosto sobre comprido, José, Mina, estatura ordinária, rosto sobre comprido, João, Mina, estatura ordinária, rosto redondo, Nicolao, Cabra, estatura baixa, rosto sobre comprido, com defeito no olho direito, João, Preto Congo, estatura ordinária, rosto comprido, Francisco, Preto Rebolo, estatura de xapas, rosto sobre comprido.” (Documentos históricos do autor)
Cabra era o mestiço de negro e mulato.
No ciclo do ouro alugavam-se escravos e escravas, de um a cinco anos. A classificação era feita pela força de trabalho – tínhamos escravos de primeira, segunda e terceira classes. Os que laboravam em Minas normalmente traziam esta designação no nome.
A ausência de sobrenome era para desfazer os laços familiares, sobrando apenas o grupo étnico do qual eram originários (Angola), ou usavam o sobrenome do seu senhor, com a concordância deste.
Assim, se retirava a ancestralidade do escravo, pela brutalidade dos captores e traficantes, desfaziam-se os vínculos tribais, mas ensejava-se uma união, pela desgraça comum a todos eles. (MOURA, Clóvis. Dicionário da escravidão Negra no Brasil)
Em 13 de maio de 1888, ao abolir a escravidão, a Princesa Isabel e toda família real caíram – e adveio a “República”, esta figura francesa que gritava por liberdade, fraternidade e igualdade, mas que nunca foi plena no Brasil, e sempre sofre ameaças de personagens ou instituições autoritárias.
Toda nação foi alforriada mas os libertos, na sua maioria, ficaram sem posses, na marginalidade e na pobreza.
Tantos séculos de escravidão fizeram com que parte da elite do atraso e setores da classe média aceitem com naturalidade as grandes diferenças econômicas, sociais e regionais.
Nos registros das causas de doenças e mortes de escravos internados na Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro (1833-1849), a doença que mais os acometeu foi a tuberculose. Isto lembra a atual pandemia e de como as vítimas periféricas estão padecendo.
A desumanidade pela qual a União Federal e alguns entes federativos estão tratando a atual crise sanitária, ao ignorarem, com naturalidade, a tragédia de milhares de mortos, é a prova de que temos ainda fortes traços da escravatura em nossa atual história.
Trocaram-se algumas significações, mas a escravidão está aí, e somente políticas sociais intensas, a desconcentração de renda dos 58 bilionários e 259 mil brasileiros milionários e investimentos maciços em educação poderão, de fato, aboli-la.