Faltava a ameixa no pudim do governador. Para ele não era suficiente a eleição consagradora, o gosto do poder e a adulação que vinha junto. O governador usava o poder para ser mais grosso e aos aduladores tratava aos pontapés. Ele tinha um sonho desde a adolescência, quando começou na política como líder estudantil no ensino secundário. Seu sonho era conhecer o jornalista, crítico e escritor Paulo Francis, estrela do Pasquim.
Não tinha vergonha de dizer que queria o autógrafo de Paulo Francis no Opinião Pessoal, o livro que leu e releu quatro vezes. Mas o governador era tímido, sempre foi, pelo menos sem público ou auxiliares por perto. Ele não tinha coragem de pegar o telefone e marcar hora com Paulo Francis.
Mas ser governador tem vantagens e o governador aproveitou a vantagem. Chamou o jornalista Carlos Nasser para fazer o meio de campo. Nasser era uma mistura de Beto Rockefeller com o Great Gatsby, cara bem falante, bem vestido, enturmado no Paraná e enturmadíssimo no Rio, onde circulava desde Roberto Marinho até as mulatas do samba, passando pelo pessoal do Pasquim, até levava Nelson Rodrigues para espantar o Sobrenatural de Almeida. Nasser procurou Paulo Francis, explicou o sonho do governador. Francis fez um pouco de doce, deu trabalho para ser convencido. Antes fez um questionário sobre o governador: “épreto? É judeu?”. Aos costumes, Nasser respondeu que não.
Veio o grande dia da visita, o governador como menino que vai ao motel. Estava tão entusiasmado que caiu no seu natural de contar vantagens. Disse que tinha visitado a China, conversado com todos os Xus, Dengs e Chus de lá. Francis parecia que levava a conversa a sério, deu corda, o governador só faltou dizer que rebocou a muralha e andou na grande marcha.
Lá pelas tantas Francis pergunta em que língua o governador falou com os chineses. Foi em inglês, francês ou mandarim? O governador engasgou, quase engoliu a língua monoglota. Carlos Nasser morreu contando a história e arrancando risadas.