A nota dos economistas Pedro Malan, Arminio Fraga, Persio Arida e Edmar Bacha antecipando seus votos no segundo turno da eleição presidencial é um documento histórico. Teve apenas uma frase de 14 palavras: “Votaremos em Lula no 2º turno; nossa expectativa é de condução responsável da economia”.
Os quatro perderam parte da juventude na ditadura. Sob a liderança de Fernando Henrique Cardoso (e de Itamar Franco), fizeram o Plano Real, que devolveu ao país o valor da moeda.
Para quem associa ditaduras a desempenhos, vale lembrar que, ao fim de 1984, o regime se acabava com uma inflação de 215% e o país na bancarrota. Em 1996, ao fim do segundo ano do Plano Real, ela estava em 9,6%. (O posto Ipiranga de Jair Bolsonaro fechou 2021 com 10%.)
É possível que algum deles já tenha votado em candidatos do PT, mas não em Lula. Votarão nele porque defendem a democracia.
O gesto do quarteto recupera um momento emocionante ocorrido no início da manhã ensolarada de 23 de agosto de 1976, quando o marechal Cordeiro de Farias, amparando seus 75 anos numa bengala, entrou em silêncio no saguão da revista Manchete, onde velava-se o corpo de Juscelino Kubitschek.
Patriarca das revoltas militares do século 20, Cordeiro sabia o que estava fazendo. Em Brasília, o ministro do Exército, general Sylvio Frota, tentava convencer o presidente Ernesto Geisel a não decretar luto oficial. Não conseguiu.
Bolsonaro coleciona o apoio de máquinas, o quarteto ofereceu a Lula o peso de suas biografias. O PT nada tem a lhes oferecer, senão, como lembraram, uma “condução responsável da economia”.
Vindo de economistas, os argumentos do quarteto em defesa da democracia podem parecer coisa de sonhadores. Contudo, eles informam que as ditaduras arruínam economias. Ganha um fim de semana em Caracas quem não acredita nisso.
Paul Samuelson (1915-2009), o grande economista americano, sabia disso quando tratou do Milagre Brasileiro na edição de 1973 de seu clássico “Economics”.
Ele escreveu: “Quando se olha para o Anuário Estatístico da ONU, verifica-se que nos últimos anos o Brasil foi um verdadeiro Japão na América Latina, com taxas médias anuais de 10% de crescimento do PNB. A história mostra que é raro os despotismos benevolentes persistirem na benevolência e quase nunca conseguem manter-se eficientes. […] Na vida real, o fascismo é incapaz de realizar até mesmo seu próprio projeto. […] Mais entristecedor é testemunhar o sucesso econômico ocasional de tais regimes ditatoriais —coisa de curto prazo”.
A editora brasileira de Samuelson pertencia ao banqueiro Cândido Guinle de Paula Machado. (Ele entregaria seu banco por um valor simbólico, mas essa é outra história.)
Foram mobilizados dois renomados economistas (Eugênio Gudin e Roberto Campos) para convencer Samuelson a cortar a referência. Os dois toparam e escreveram ao professor.
Não era necessário. Pressionado pela editora, Samuelson reescreveu a referência ao Brasil edulcorando-a. Resultado: os americanos, que estudaram na edição do “Economics”, foram avisados em 1973 que o Brasil podia quebrar. Os brasileiros micaram e o milagre se acabou em 1982.