Em 1975, o Generalíssimo Franco, 82, ditador da Espanha, estava em seu leito de morte em Madri, com uma antologia de mazelas –infarto, broncopneumonia, tromboflebite, falência renal, úlceras hemorrágicas e um Parkinson avançado. O desfecho era esperado para qualquer momento, mas Franco insistia em prolongar a agonia. Certa noite, do fundo de sua cama, escutou um rumor que entrava pela janela. Perguntou o que era ao enfermeiro. Este respondeu: “É o povo espanhol, Excelência. Ele veio se despedir”. E Franco: “Ué! O povo vai viajar?”.
Franco morreu no fim daquele ano, e as multidões que faziam a vigília nas proximidades de sua casa acharam que ele tinha ido tarde. Algo parecido está acontecendo com outro governante terminal, a presidente Dilma Rousseff –fisicamente em forma, mas cuja saúde política faz dela candidata à extrema unção. Ao recusar as sugestões para que preste pelo menos um serviço à nação, renunciando à Presidência, Dilma não se dá conta de que o povo brasileiro, em sua esmagadora maioria, já renunciou a ela.
É como se o Titanic achasse que, fingindo não ver o iceberg, conseguiria passar por ele. Só dá certo se, antes, você combinar com o iceberg.
Na verdade, Dilma há muito já renunciou ao Brasil. Ao usar critérios exclusivamente políticos para ocupar ministérios fundamentais, como o da Saúde, da Educação e, por causa dos Jogos Olímpicos, o dos Esportes, deixou claro que o país que lhe importa limita-se ao curral do Congresso. Mas agora ela se superou: para salvar seu mandato, a moeda com que se dispõe a comprar miseráveis 15 votos aqui e outros 20 ali são justamente aqueles ministérios. O Brasil, para ela, é um troco.
Quais serão os planos de seu novo ministro da Saúde, seja quem for, para fazer frente ao dengue, à zika, ao chikunguña e à gripe H1N1?
Ruy Castro -Folha de S.Paulo