O Brasil está cansado de esperar (final)

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A reeleição de Lula se deveu, além de inúmeros outros fatores, às altas somas de dinheiro amealhadas pelos principais dirigentes do Partido dos Trabalhadores para se viabilizar eleitoralmente, segundo constatou o sociólogo Marcelo Ridenti, o que teria aberto a brecha para a corrupção, adicionando o fato de que a política econômica do governo sempre esteve à mercê do capital financeiro.

Ridenti e outros analistas concordam que o escândalo do mensalão deixou no chinelo o chamado “caixa 2”, mecanismo de financiamento de campanhas eleitorais que o PT utilizou, a exemplo dos demais partidos que sempre criticara, tornando contundentes as acusações referentes à compra sistemática de apoio parlamentar, com o que a imagem do Congresso ficou seriamente fragilizada.

Contudo, apesar da bateria de acusações e denúncias veiculadas pela imprensa, o presidente Lula deu a volta por cima e faturou o segundo mandato. Ridenti raciocina que “parece que a maioria do eleitorado não acreditou nas acusações de corrupção ou, talvez, tenha interiorizado a ideia de que a política é uma coisa suja e que a corrupção é inevitável, logo, vota-se naquele que – mesmo acusado de corrupção – proporciona melhores condições de vida, talvez lembrando a velha máxima do tempo do governador Adhemar de Barros em São Paulo: ‘Rouba, mas faz’”.

Ou, ainda, numa tentativa de compreensão de um fenômeno até hoje não suficientemente explicado e que teve continuidade com a eleição e reeleição de Dilma Rousseff, o pensador político acena com a probabilidade algo maniqueísta que “parte do eleitorado quem sabe identifique a hipocrisia de muitos políticos que acusam o atual governo de corrupção, como se tivessem idoneidade para fazê-lo”.

Também na relação do presidente Lula com o Congresso Nacional, nos dois mandatos, o analista enxergou o rastro da ambiguidade, porquanto o presidente conseguiu atrair deputados e senadores dos partidos de direita, ao tempo em que “por meios políticos ou por seduções mais obscuras, o governo agregou forças de esquerda como o Partido Socialista Brasileiro (PSB) e o pequeno, mas significativo Partido Comunista do Brasil (PCdoB)”.

Aspecto preponderante dos dois mandatos de Lula, não obstante o esforço que Dilma parece estar fazendo para desmontar o sistema, senão no todo pelo menos em parte, foi a batelada de sindicalistas, membros de movimentos sociais e integrantes do PT e demais partidos de esquerda premiados com postos de visibilidade no aparelho de Estado, o que lhes possibilitou ascensão social no interior da ordem.

No caso específico do Partido dos Trabalhadores, a estrutura orgânica anteriormente construída em grande medida pelo pensar de intelectuais, professores universitários, escritores e artistas, entre outros, foi aos poucos apropriada por um sem número de novos militantes oriundos da pequena burguesia e do proletariado – não que isso seja um demérito – assim como dos sindicatos ligados à CUT e movimentos sociais influenciados pela teologia da libertação. A rigor o PT se transformou na extensão político-partidária de servidores públicos e assemelhados, o que também não é novidade em democracias fortes.

Dentre a nova nomenclatura que ocupou espaços diretivos do PT, entretanto, não foram poucos os que aderiram ao vislumbrar a oportunidade real de galgar degraus na escala social, bem como a conquista de mandatos eletivos, o que acabou acontecendo, a ponto de vermos hoje no Congresso Nacional, salvo as raríssimas exceções, uma bancada composta por ilustres desconhecidos que engrossam a fila do baixo clero.

A facilidade com que o partido adotou práticas sempre condenadas nos outros, como lembraria Marcelo Ridenti, escancarou portas e janelas para a corrupção finalmente apurada e punida no processo do mensalão e, agora, na Operação Lava Jato, cujo modus operandi juntou na mesma canoa (ou seria no iate?), dirigentes partidários, altos funcionários da Petrobras, empresários, lobistas, operadores financeiros e doleiros, em verdadeira sociedade celerada que atacou com insaciável apetite os cofres da maior estatal brasileira.

Numa crítica certeira a essa disposição da esquerda que evoluiu num ritmo sem precedentes, o cientista político Francisco de Oliveira, quando conhecia apenas a ponta do iceberg expressou no conhecido ensaio O ornitorrinco, oportunamente citado por Marcelo Ridenti, que uma nova classe social está representada no governo e “ela seria responsável pela articulação entre o fundo público e a iniciativa privada, por exemplo, por meio da gestão por antigos sindicalistas de lucrativos fundos de pensão”.

Comparado a Macunaíma, o impagável personagem de Mário de Andrade que sintetiza a gama de contradições sociais do povo brasileiro, Lula também é visto por outro ângulo da crítica “como exemplo acabado da incorporação de hegemonia burguesa pelas classes trabalhadoras e populares”.

Escrevendo em 2009 sobre o eclipse da política na experiência social brasileira, Wolfgang Leo Maar, professor de filosofia na Universidade de São Carlos (UFSC), no interior do estado de São Paulo, já dizia que a contradição histórica da política constituía o desafio mais intrigante de nosso tempo: “A experiência disso pode ser feita no presente, na prática de um governo eleito com base em perspectivas transformadoras da correlação de forças, mas que em grande parte é cativo da forma social da política restrita à divisão do poder no quadro em vigor”. O filósofo se referia, a princípio, aos dois períodos de Lula na presidência da República, muito embora a extrema lucidez de sua análise tenha extrapolado o tempo para esboçar, hoje, um retrato perfeito dos quase cinco anos de Dilma Rousseff à frente do governo da União.

“Não ocorre o fim da política em sentido abstrato, mas se observa, de um lado, o avanço de uma política meramente instrumental, do cálculo do poder e, de outro, o declínio de uma dimensão política voltada ao bem público e de intervenção transformadora da sociedade”, escreveu Wolfgang.

Chefe de um governo cujo primeiro escalão tornou-se autêntica reserva de domínio para os nababos indicados pela fieira de partidos da aliança governista liderada pelo PT, a presidente é também alvejada continuamente pela sanha instrumentalista da política encarnada pelo senador Renan Calheiros e deputado Eduardo Cunha, presidentes do Senado e da Câmara.

Petista recente, Dilma é ainda hostilizada pelo próprio partido, no qual não tem raiz, história, convivência e, convenhamos, empatia das principais tendências lá representadas, a começar pelo grupo mais expressivo comandado por Lula, o Construindo um Novo Brasil. O maior dilema da presidente no interior da máquina que administra o país é obter apoio ao ajuste fiscal proposto pelo ministro Joaquim Levy, um neoliberal puro em meio à heterogênea composição ministerial que transita entre os extremos opostos do arco ideológico.

Uma corrente conciliadora entrou em ação na véspera do 5º Congresso Brasileiro do PT, que acontece em Salvador (de quinta a domingo) a fim de evitar qualquer tipo de ressentimento à participação de Dilma no evento, em função do repúdio manifestado por algumas alas também numerosas à política econômica posta em prática pelo ministro Joaquim Levy.

Comenta-se que Lula atuou como um desses bombeiros de plantão, pois seria um disparate a mais num momento de rara infelicidade para um partido que enfrenta sua pior crise de identidade desde a fundação, incorporar a sua história quaisquer tipos de hostilidade ou desrespeito a um quadro, mesmo adventício, que ocupa a presidência da República.

De qualquer forma, não se pode descartar a frustração de muitos militantes do PT desacorçoados com os rumos que a agremiação decidiu trilhar em direção incompatível com os ideais que deram lastro aos documentos subscritos pelos fundadores do partido. Frustração que aumenta na medida em que as decisões do governo se afastam gradativamente das linhas programáticas da esquerda socialista para abraçar, sobretudo no campo da economia, os postulados do neoliberalismo.

Ivan Schmidt

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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