Cogitei armar uma intervenção para o viciado poeta transante
Tenho um amigo que virou o clássico chato apaixonado. Passa meses sem falar comigo, deixando claro que está ocupadíssimo transando e compondo poesias (ele não é poeta, mas se tornou um —péssimo— desde que passou a transar tantas vezes por dia), e, de repente, como se nada fosse, eu recebo um arquivo gigante no meu email com umas 25 fotos e uns 12 vídeos da sua namorada atriz com a seguinte frase no assunto: “Mandar para a TV”.
A mensagem não vem com um mísero “oi, como vai?”, mas sortida de comandos de ordem disfarçados de pedidos de ajuda, no estilo “acha que consegue enviar hoje mesmo, por favor?”.
Se respondo um desinteressado “vou ver”, ele passa a ligar quase toda hora (quando não está transando ou compondo poemas terríveis sobre os mistérios das lágrimas transformadas em lantejoulas no céu) para me cobrar.
Se não digo nada, ele faz a mesma coisa, me liga diariamente a fim de saber se eu já vi o email ou se ficou preso na caixa de spam.
Se falo a verdade: “Não sei como ajudar, não mando em nada, não conheço as pessoas direito”, ele passa então a me ligar sempre, para me convencer do contrário.
Já pensei em mudar meu número de celular e meu endereço eletrônico e, mais grave, refleti seriamente em enviar o material da menina para os principais diretores da Globo (mesmo sem conhecê-los): “Em nome de minha saúde mental, venho por meio deste implorar por uma oportunidade…”.
Cogitei armar uma intervenção para o viciado poeta transante, mas os amigos em comum pularam fora, disseram ter passado pelas mesmas abordagens malucas e insistentes e que simplesmente mandaram o cara se foder.
Achei a ideia ótima e, recentemente, respondi apenas: “Cacete! Vai se foder!”, e ele gravou um áudio animadíssimo, achando que o xingamento era a minha forma de dizer: “Nossa, ela é incrível mesmo!”.
Desde então, já recebi as versões para feed do Instagram, Stories e foto quadrada para Facebook de uma participação da namorada em um curta (ele doou R$ 25 mil para o crowdfunding e depois disso foi morar com a mãe por 6 meses, porque teve de colocar o próprio apê no Airbnb).
Ontem eu estava comprando inhame orgânico quando dou de cara com quem? Virei o rosto, mudei o caminho, mas era tarde demais. Ele já foi logo me perguntando o que eu tinha achado do flyer para divulgar a balada em que a namorada atriz atacaria de DJ. Vejam: o homem tem 42 anos. E ele não é designer de flyer e nem baladeiro, mas se tornou as duas coisas —pessimamente— desde que passou a transar tantas vezes por dia.
Respirei fundo. Disse que no último mês minha filha teve algumas viroses e que eu envelheci 25 anos a cada uma delas, que pensei em mudar de profissão (será que viro psicanalista, já que estou há três anos tentando terminar meu romance? Será que viro romancista, já que mais nenhum roteiro meu será aprovado porque acabou o cinema?) e que meu marido ficou mais feliz com a vitória do Flamengo do que demonstrou por estar comigo, sequer por um segundo, em sete anos de relacionamento.
Falei também sobre o rock, que levava ao aborto, que levava ao satanismo, que levava a um ministro do Meio Ambiente que odeia a natureza, um ministro da Educação que odeia as universidades, uma agência de cinema que odeia o cinema e um certo negro racista a favor da escravidão.
O chato apaixonado foi se contorcendo, revirando, acorcundando. Seria a realidade lhe percorrendo as veias? Não, era para resgatar do fundo do bolso um amassado flyer de balada (em que a namorada atacaria de DJ). “Vai e leva uns amigos diretores da Globo, hein!”