O tempo passou esse tempo todo fingindo se arrastar no marasmo, em clima de pesadelo. Cada bilionésimo de segundo pingando penosamente de uma torneira frouxa ou escorrendo invisível de uma privada desregulada.
De repente, me dou conta que ele, o tempo, esse ente que não existe, na verdade não rasteja: voa pelo espaço. E atropelado por essa vertiginosa sucessão de janeiros, me caiu na cabeça, de uma vez só, a consciência de que já se foram 25 anos desde a morte do meu irmão mais novo, o Marcos Prado.
Partida que quebrou a trajetória de um artista com pilha, pique e tesão para mais 60 anos de estrada, no mínimo. Doeu? Ainda dói. Parece que foi ontem, parece que foi nunca, não se parece com nada aquela sangria desatada.
Eu chegando lá com Léa, a esposa dele, no pronto socorro do Hospital Cajuru, em Curitiba, para uma alucinada sequência de cenas que até hoje reprisam, enevoadas na mente.
De vez em quando me pego ainda lutando, nos confins da memória, para que o desfecho seja diferente. Mas, acontece que, sem darem a mínima para a minha opinião, quiseram os deuses e as musas da poesia que ele fosse convocado, no réveillon de 1996, para reapresentar-se no lugar onde nasce o tempo, essa lesma velocípede.
Lembro bem que eu e Marcos crescemos escrevendo juntos, desde sempre (nisso o tempo não me engana, nem a vida trapaceia). Duas crianças lendo alto, cantando, parodiando, debochando, desmontando todos os brinquedos literários que nos caiam nas mãos, pelo complicado prazer de ver como as coisas simples eram pelo lado de dentro. Para nós, isso era a vida, nem sabíamos que era batuque, música, poesia.
O Marcos teria hoje 61 anos de idade. Um inimaginável senhor, um senhor poeta que levou embora seu incontrolável carisma e contagiante alegria de viver, mas deixou uma obra que resiste sem perder cor, aroma, frescor, sabor. Poesia, música e atitude que as novas gerações abraçam como se fosse delas. E é mesmo.
Personalidade inquieta, talento múltiplo, artista explosivo, Marcos foi um dos expoentes de uma geração de santos guerreiros e malucos de pedra, artistas de todos os naipes que batalharam sozinhos ou em bando para tirar a cidade de sua mórbida timidez, sonhando dar a ela um ar mais moderno, alegre e cosmopolita. Gente que dedicou o melhor de suas vidas, no mais das vezes sem nenhum retorno além da própria satisfação, para imprimir sangue e tutano ao triste ambiente cultural curitibano. Ambiente que, vendo hoje, você pode imaginar remotamente como era no tempo das diligências. Por essas e por muitas outras que você, pesquisando, vai descobrir, acho que o Marcos Prado ainda está por aí.
Começando pelo fim.