O BRASIL tem poucos nomes consagrados na ciência e na arte mundo afora. Não adianta culpar o português como língua insignificante porque há prêmios Nobel em línguas ignotas, como o búlgaro e o finlandês. As grandes cabeças que produzimos, ignoramos ou perseguimos. Para ficar nos perseguidos. Por exemplo, dom Helder Câmara foi indicado duas ou três vezes para o Nobel da Paz. Se ganhasse, a ditadura militar que combatia mandaria fechar os aeroportos, prenderia o cardeal ou censuraria os jornais para não noticiarem – como fazia a URSS.
No geral são caçados pelas nossas ditaduras porque, como a imensa maioria dos homens da cultura, têm visão crítica da realidade, das causas que levam às deficiências e ao atraso, os responsáveis e beneficiários deles, e os remédios para combatê-los. Aqui vale lembrar dois. Um, Paulo Freire, consagrado mundialmente como teórico da educação, e execrado pelos arautos do atraso, que nunca o leram, mas o criticam sem a menor noção. Por acaso, Freire é uma das bestas-feras do bolsonazismo instalado.
Outro foi Josué de Castro, médico de formação e um dos maiores geógrafos do século XX. Perseguido na ditadura militar como perigoso comunistas (os geógrafos não conseguem fugir da pecha de esquerdistas, mérito deles), respeitadíssimo no mundo e formador de escola no Brasil, autor do clássico ‘A geografia da fome’. Morto em 1973, resgatado postumamente por Lula, Josué de Castro é um dos abominados pelo pensamento militar há, pasmem, 56 anos. Alguém da Escola Superior de Guerra o leu? Duvido. É contagioso.
Finalmente o pensamento militar – 56 anos depois – encontrou um substituto de Josué de Castro. Não é médico de formação, como Josué, mas dita as regras da saúde pública do Brasil. Mas tem o melhor dos atributos para nosso ensaio de ditadura militar: é general do Exército e sabe obedecer ao chefe, mesmo de patente e formação inferior, militar inclusive. Chama-se Eduardo Pazuello e tem mais medo de Jair Bolsonaro que do coronavírus. Militar de formação, com todos os cursos que levam ao generalato, deveria conhecer geografia.
Na reunião estranhamente educada do ministério, na semana, o general-ministro da Saúde, em malemolente sotaque carioca, ingressou no seleto e escasso quadro dos grandes geógrafos da raça. Ao analisar o alastramento da pandemia, culpou o general inverno, como fez outro general, Napoleão Bonaparte, ao ser corrido da Rússia. E situou a disposição das tropas do inimigo: “O Norte e o Nordeste do Brasil estão na região do inverno do hemisfério norte; o Sul e o Sudeste, na região do inverno do hemisfério sul”. Então talquei!