Familiares muitas vezes são facilitadores e coniventes com essa prática doentia
Que adolescente não sonha em se casar com um homem de 65 anos? Quem, aos 16 anos, não se apaixona por alguém com idade para ser seu avô? Que menina em pleno rebuliço hormonal não prefere as dificuldades de uma vida conjugal às descobertas da juventude? A notícia sobre o enlace entre um idoso e uma garota no interior do Paraná é o retrato grotesco de uma prática que acontece em nosso quintal e não apenas nos cafundós da Índia, Bangladesh e Nigéria, os três países que aparecem antes do Brasil no ranking de “casamentos infantis”.
O Código Civil brasileiro estipula em 16 anos a “idade núbil”, o matrimônio com autorização dos pais. Pela legislação, os jovens já teriam aptidão psíquica. Olha, que maravilha: não é contra lei. Curiosamente, a quantidade de meninas que se casam nessa fase é quatro vezes maior do que a de meninos. Outra surpresa: os maridos são, em média, nove anos mais velhos do que as “noivas”.
Por mais inacreditável que seja, até 2019 não havia idade mínima para que crianças fossem submetidas a relações conjugais. Em 2021, houve 16.572 casamentos no Brasil nos quais a noiva tinha até 17 anos (IBGE). Imagine então as uniões não oficiais.
Este tipo de situação é tema que deveria nos preocupar e nos mobilizar como sociedade porque faz parte de um ciclo de violências aos quais as mulheres começam a vivenciar desde muito cedo. Envolve abandono escolar, submissão, todo tipo de assédio, estupro doméstico, gravidez precoce, além de alimentar a cadeia da desigualdade de gênero.
Familiares, em geral, são facilitadores e coniventes com essa prática doentia, em nome da reputação da família, seja lá o que signifique isso, pelo controle da sexualidade das meninas e, obviamente, por segurança financeira.