Todo domingo, chuva ou sol, eles se reúnem diante do portão de entrada do demolido Hospital Espírita, no Bom Retiro. O movimento é recente, começou com os militantes da preservação do Bosque Gomm, agregou simpatizantes, famílias envolvidas, crianças no aprendizado lúdico-participativo. Preparam cartazes, distribuem panfletos a passantes e motoristas. O objetivo, preservar a imensa área, bosque nativo e dar-lhe fim social.
O movimento foi antecipado pelo Grupo Angeloni, dos hipermercados, ao negociar o imóvel com a Federação Espírita, tanto que em menos de uma semana pôs abaixo toda a construção. Não é caso de prédica anticapitalista, os Angeloni fazem como os donos do capital: extraem dele o melhor rendimento. O social, para eles, se esgota na geração de empregos e no pagamento de tributos. Fora isso, capitalismo brasileiro nada reverte à nação. Quanto reverte; estão aí os Refis a desmentir.
O problema não são só os capitalistas. Felizmente ainda os temos; a alternativa seria a coletivização cubana e a precariedade norte-coreana. O problema é a mentalidade. De capitalistas, políticos e nós, povo em geral. Que mentalidade? A do individualismo, tão forte no caráter brasileiro: nada concedemos ao interesse e ao bem comum e tudo queremos pronto, da parte do Estado. Nada cedemos a ninguém, seja lugar na fila, seja banco no ônibus.
Invoco os EUA, exemplo para ninguém, imenso Angeloni, templo da religião do consumo. Já se disse que os EUA vão da barbárie à decadência sem o intervalo da civilização. Mas os capitalistas americanos têm lições a nos dar e ela cai bem nesse caso do Hospital Espírita. Eles revertem à nação parte expressiva de suas fortunas. Caso atual de Bill Gates, Warren Buffett e tantos outros que no correr de dois séculos sustentam universidades, museus e pesquisas.
Esse etos da restituição tem seus fundamentos religiosos. Importa o etos social, de reverter à nação o que dela recebeu em valores, orgulho cívico e crescimento pessoal, patrimonial sobretudo. Não temos disso no Brasil. As causas e os porquês encheriam a estante de sociologia ainda não escrita. Mas serve para pinçar alguns aspectos da luta dessa brava gente que luta para preservar a #A Causa Mais Bonita da Cidade, assim na rede social.
1 – Não há como não enaltecer a consciência sócio-ambiental dos participantes do movimento, escolados na luta longa, não sem pressões autoritárias do proprietário e omissão da administração pública, para preservar o Bosque Gomm, que resultou numa nesga de árvores, mas marcou um ponto.
2 – Esqueçamos a Federação Espírita, que vendeu a área para manter, segundo explicou, seus inquestionáveis e reconhecidos serviços sociais. Mas onde estava a prefeitura, o IPPUC, a área de controle urbanístico? Ah, sim, e os vereadores, saprófitas do bem público. Onde estavam os que ganham para cuidar de nós?
3 – Estavam onde sempre estiveram, onde pudessem tirar o melhor proveito, onde seu poder de barganha fosse efetivo. Na não obstrução da venda mediante desapropriação e na negação de alvará ao grupo Angeloni. Conosco, contribuintes e eleitores, não precisam fazer esforço: têm o voto inconsciente e o imposto seguro. E o paraíso: estão isentos de prestar contas.
4 – O curitibano está quieto. Como sempre esteve. Curitibano não se envolve em nada, é o eterno espectador. E os homens que fizeram a Curitiba cantada em prosa e verso, a capital ambiental, o oásis do verde, das ruas-cidadãs, dos ônibus-biblioteca, dos faróis do saber, da praça do Confúcio? Nada, prestaram seu silêncio obsequioso ao grupo Angeloni – como aos shoppings, que viam no começo como chagas urbanas.
Tem mais, muito mais a dizer. Inclusive sobre o conúbio entre política e capital, que faz do público a extensão do privado como proveito e lucro para os homens públicos. Escrevo demais, espero que alguém melhor, mais capacitado, agregue tempero e consistência a este caldo. Fico por aqui, blog não é espaço para ensaios. Chovendo ou não no domingo próximo, estarei no #A Causa Mais Bonita da Cidade. Se você não estiver na praia, apareça. Rogério Distéfano