O segundo motivo do não uso da grafia Hai-ku é a homofonia da segunda sílaba com outra palavra da língua portuguesa, designando certa parte do corpo de múltipla importância fisiológica. Essa palavra os filólogos só usam a medo. Quando a colocam no dicionário fazem sempre questão de acrescentar (chulo). Assim, entre parênteses.
Resolvi – e não entro em detalhes para não alongar esta explicação – usar a grafia (comprometida) Hai-Kai, para as composições deste saite.
O Hai-Kai é um pequeno poema japonês composto de três versos, dois de cinco sílabas e um – o segundo – de sete. No original não tem rima, que geralmente lhe é acrescida nas traduções ocidentais. A época do aparecimento do Hai-Kai é controversa, e sua popularização deu-se no século XVII, sobretudo através da produção de Jinskikiro Matsuô Bashô, simbolista inspirado profundamente em impressões naturais (sobretudo paisagísticas) e adepto do Zen:
A nuvem atenua
O cansaço das pessoas
Olharem a lua.
Em cima da neve
O corvo esta manhã
Pousou bem de leve.
Contudo há quem afirme que Bashô foi ultrapassado, tanto em popularidade quanto em inspiração, pelo poeta do século posterior (XVIII) Yataro Kobayashi (Issa):
Vem cá passarinho
E vamos brincar nós dois
Que não temos ninho.
Bem hospitaleiro
Na entrada principal
Está o salgueiro.
Apesar de sua forma frágil, quase volátil, dependendo da imagística mais do que qualquer outra poesia, uma implosão, não uma explicitação, o Hai-Kai é, contudo, uma forma fundamentalmente popular e, inúmeras vezes, humorística, no mais metafísico sentido da palavra:
Roubaram a carteira
Do imbecil que olhava
A cerejeira.
Eu vi meu retrato
Bem no fundo do lago
Diz o olhar do pato.
Meu interesse pelo Hai-Kai como forma de expressão direta e econômica começou em 1957, quando eu escrevia uma seção de humor (Pif-Paf) na revista O Cruzeiro. Passei a compor alguns quase semanalmente, usando, porém, apenas os três versos da forma original, não me preocupando com o número de sílabas. Os Hai-Kais deste saite foram compostos entre 1959 e 1986.